25
de outubro de 2013 | N° 17594
DAVID
COIMBRA
Por uma asinha de
frango
Vinicius
de Moraes escreveu que o sofrimento é o intervalo entre duas felicidades.
Otimista. Há fases da vida em que a felicidade é o intervalo entre dois
sofrimentos.
Nos
Estados Unidos, mora um rapaz, um norte-coreano chamado Joseph, que já sofreu
muito na vida. A Coreia do Norte, esmagada sob o tacão da mais feroz ditadura
do mundo, é dada a grandes fomes. Joseph, que atravessou a infância na sua
Coreia natal, passou muita fome.
Ele
e a irmã saíam pelas ruas para mendigar ou roubar qualquer côdea de pão
amanhecido que encontrassem. O pai insistia para que ele fosse à escola, para
que estudasse, mas Joseph não lhe dava ouvidos. Só tirava zero. Finalmente,
quando ele tinha 11 anos de idade, o pai decidiu ser radical. Declarou: – Você
não é mais meu filho!
Joseph
ficou triste, mas nem assim animou-se a estudar. Um ano depois, ele viu o pai
definhar e morrer de inanição. Depois, a família se esfarelou, cada um foi para
um canto do planeta. Joseph fugiu da Coreia, passou pela China e conseguiu
asilo nos EUA.
Li a
história de Joseph na coluna online que o Potter mantém na ZH. Assisti ao vídeo
em que Joseph aparece contando sua saga. Nos Estados Unidos, ele foi acolhido
por uma família e tratado como filho. A família americana também não tinha
grandes posses. Numa das refeições, o prato principal era asinha de frango, e
não havia quantidade suficiente para todos.
Então,
ocorreu algo que transformou o destino de Joseph: seu pai adotivo cedeu-lhe a
sua asinha de frango. Não falou nada, apenas passou a asinha para ele com um
olhar afetivo. Naquele momento, Joseph lembrou-se do seu pai biológico, que
havia morrido de fome para que ele tivesse o que comer. E Joseph achou que
devia algo ao pai, aos dois pais, e, a partir daquele dia, começou a estudar.
Joseph
não sabia nem falar inglês, estava atrasado em relação aos colegas de classe,
mas, instado pela lembrança do pai, estudou com todo empenho e toda a
concentração, tornando-se um aluno modelo. No vídeo publicado pelo Potter, ele
diz que aquela asinha de frango mudou a sua vida.
Estava
enganado.
Não
foi a asinha de frango que mudou a vida de Joseph. Foi o amor. O amor de seu
pai biológico, que se sacrificou por ele, mais tarde representado pela
demonstração de amor do seu pai adotivo, que fez uma pequena renúncia por ele.
Vinícius,
que citei no alto deste texto, dizia também que a vida é a arte do encontro,
embora haja tanto desencontro pela vida. Na verdade, a vida é a arte do
reencontro. Joseph reencontrou o amor do pai sob outra forma de amor. Para
sorte dele, foi o amor que encontrou em primeiro lugar, e não a crueldade, como
tantas crianças brasileiras encontram. Graças ao amor, para Joseph, o
sofrimento foi mesmo um intervalo entre duas felicidades.
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