05 de outubro de 2013 |
N° 17574
NILSON SOUZA
O cantor da madrugada
Eu já tinha percebido, mas foi
lendo uma carta de leitor num jornal paulista que confirmei a minha impressão:
os sabiás estão começando a cantar cada vez mais cedo. O homem escreveu para
desabafar, disse que acorda na madrugada e não consegue mais dormir por causa
do pássaro namorador. Os sabiás-laranjeira, como se sabe, cantam para atrair as
fêmeas – e aquele que canta mais alto e em tom mais melodioso leva vantagem
sobre os demais. O raciocínio delas é lógico: machos que cantam com mais vigor
terão maior capacidade de alimentar os filhotes. A interpretação não é minha, é
de ornitólogos.
Mas por que eles não deixam para
abrir o bico lá pelas sete ou oito horas, como fazem todos os mortais? Também
tem resposta para isso.
A culpa é das metrópoles,
garantem os especialistas. As luzes da cidade levam a ave a pensar que o dia já
clareou. Tem também os ruídos: para evitar a concorrência do barulho de portões
eletrônicos se abrindo, carros circulando, buzinas e mães acordando filhos
dorminhocos, os pássaros soltam a voz mais cedo. Assim garantem audiência
total.
Há quem se incomode. O missivista a que me referi queria que a
prefeitura de sua cidade tomasse providências, impondo a lei do silêncio à
passarada. Era só o que faltava. Nós, com nossos casulos de cimento e ferro,
ocupamos o espaço que um dia foi só dos bichos e ainda queremos que eles se
calem. Deixa o sabiá namorar, amigo paulista!
O sabiá-laranjeira, ave-símbolo
do Brasil, tem sido cantado em prosa e verso por nossos escritores e poetas, de
Gonçalves Dias a Chico Buarque. É uma espécie de trompetista da primavera.
Desde que este país era habitado apenas por selvagens, os sabiás sinalizam a
chegada da estação das flores. Existe até uma lenda indígena que diz que quando
uma criança ouve o canto do sabiá pela madrugada recebe uma bênção de amor,
felicidade e paz. E agora os civilizados querem calar o bicho.
Peço licença para discrepar, como
dizia um sábio (não um sabiá) da Academia Brasileira de Letras. Tenho tanto
respeito e admiração pelos alaranjados, que até ando deixando meu carro fora da
garagem, para não perturbar o sossego de um casal que fez ninho exatamente num
arbusto situado na entrada.
Mal distingo o macho da fêmea,
mas percebo que eles estão sempre lá, vigilantes, e sei que em breve
acompanharei aulas de voo no meu pátio, como já aconteceu em outras primaveras.
Meu trato informal com eles é o seguinte: fiquem à vontade, mas não esqueçam de
me acordar com aquela deliciosa sinfonia da madrugada.
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