SAMUEL
PESSÔA
Plebiscito não é bom para o
país
A
proposta atende às necessidades de oferecer resposta rápida às ruas, mas não às
necessidades do país
Acuada
pelas ruas, a presidente teve que dar uma resposta rápida e contundente. A
resposta política escolhida foi a proposição de um plebiscito sobre temas
ligados à forma de organização de nosso sistema eleitoral.
Os
tópicos abordados aparentemente serão a forma de financiamento da campanha eleitoral;
se o voto será distrital, misto ou permanecerá a forma proporcional; e se as
coligações para votos proporcionais serão vedadas ou não, entre outras
possibilidades.
Entende-se
a preocupação da presidente. Do ponto de vista político, ela tenta sair o menos
machucada possível do nosso conturbado outono e devolver a batata quente às
ruas.
No
entanto, a proposta de um plebiscito é péssima do ponto de vista da sociedade.
É impossível tratar de questão tão complexa por meio de perguntas aos
eleitores.
Além
da enorme complexidade da questão em si, as diversas características de um
sistema político são interligadas. Se mexermos em uma, teremos de mexer em
outras de forma coerente para que o sistema mantenha a consistência.
Já a
proposta de constituinte exclusiva revisora faz algum sentido. No entanto,
apresenta tantas dificuldades práticas de implantação que não me parece o
melhor caminho.
As
ruas estão pedindo melhora da qualidade dos serviços públicos e expansão de
alguns direitos, como é o caso da elevação do subsídio público à tarifa de
transporte público nas grandes regiões metropolitanas do país. Não está claro
como a alteração do sistema eleitoral aumentaria a capacidade do sistema
político de abordar esses temas.
Seria
importante que a política enfrentasse essas questões. Há duas agendas.
A
primeira seria baseada na elevação da carga tributária. Pode ser realizada via
aumento dos impostos gerais ou por meio de elevação/criação de tributos para
atender algum propósito específico.
Por
exemplo, elevar o imposto sobre a gasolina para punir o uso do transporte
individual e subsidiar o uso do transporte público.
A
segunda agenda é a de elevação da eficiência da gestão pública na educação, na
saúde, na Justiça e na segurança. Parece-me que essa é uma longa agenda de
direito administrativo, que demanda a reformulação dos mecanismos de gestão da
máquina pública, incorporando instrumentos típicos do setor privado. A figura
do contrato de gestão, por exemplo, poderia ser estimulada.
Além
de reformar o Estado por dentro, a melhoria da eficiência dos serviços de saúde
e educação implicará a criação e o aperfeiçoamento de instrumentos --vários
deles já existentes-- de parcerias entre os setores privado e público.
Pensar
a gestão é importante. Em termos internacionais, não há evidência de que
gastemos pouco como proporção do PIB naqueles serviços. As despesas públicas de
pouco mais de 5% do PIB com educação estão dentro da norma internacional. O
gasto público de 3,5% do PIB em saúde, por outro lado, está um pouco abaixo
--cerca de 0,5 ponto percentual do PIB, segundo meus cálculos. Isso indica
claramente que não são excepcionalmente reduzidos.
A
menos que desejemos elevar a carga tributária de 35% do PIB para 45%, não será
possível gastar os "almejados" 10% do PIB em educação e 10% em saúde.
Voltando
ao tema da reforma política, é importante que tenhamos claro que nosso sistema
é funcional. Com ele, conseguimos debelar a inflação, levar a cabo o
impedimento de um presidente eleito e processar uma transição política complexa
de forma muito madura.
É
também com o sistema político atual que finalmente conseguimos avançar no
crescimento econômico, mesmo que bem mais lento do que todos gostaríamos, e na
redução de nossas desigualdades.
O
saldo de nosso sistema político é muito positivo para que, a cada turbulência,
levante-se a bandeira da "mãe de todas as reformas". A probabilidade
de sairmos de uma reforma política pior do que entramos é muito elevada.
O
processo de construção institucional deve ser incremental. Se o Executivo
quiser pautar o tema de reforma política, há espaço para fazer o debate no
Congresso Nacional.
A
proposta do plebiscito atende às necessidades imediatas de oferecer às ruas uma
resposta rápida, mas não atende às necessidades do país.
SAMUEL
PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de
Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário