08
de julho de 2013 | N° 17485
L.F.
VERISSIMO
Memória ferida
Estou
escrevendo sem saber ao certo a extensão do incêndio no Mercado Público, mas de
qualquer tamanho a ferida seria a mesma. O fogo foi na nossa memória afetiva,
quanto mais antiga, mais doída. Lembro de frequentar o Mercado desde pequeno. A
gente fazia compras na Banca 24. Depois, se eu e a minha irmã implorássemos, e
insistíssemos, e fôssemos suficientemente chatos, nos levavam para comer
morango com nata batida na Banca 40.
Nunca
mais provei nata batida como a da minha infância na Banca 40. Ou, pensando bem,
morangos como aqueles de antigamente. Sei que a Banca 40 continuava lá,
provavelmente servindo a mesma nata batida e os mesmos morangos. Só o que
faltaria para a felicidade ser igual seria a minha infância recuperada.
Mais
tarde, uma instituição da cidade também localizada no Mercado, o restaurante “Treviso”
passou a fazer parte da minha vida de jovem adulto. Os programas de sábado
geralmente acabavam no “Treviso”, que ficava aberto até de madrugada – ou nunca
fechava, não me lembro mais.
Para
terminar um sábado, só havia duas opções em Porto Alegre, e a escolha era
dificultada pelos efeitos das cubas libres, ingeridas durante a noite, que
ainda circulavam no nosso sangue: o sanduíche de pernil do “Matheus”, na Praça
da Alfândega, ou a sopa do “Treviso”. No “Matheus”, você comia de pé, no “Treviso”
você se sentava, e o vapor da sopa ajudava a limpar a sua mente, e a redimi-lo
dos pecados da noite. Quase sempre escolhíamos o “Treviso”. E lá ficávamos até a
hora de pegar o primeiro bonde para casa, no abrigo.
Frequentei
pouco o Mercado modernizado, com escada rolante e tudo. Quando o “Treviso” fechou
a cadeira em que um dia sentara o Francisco Alves e fora pendurada na parede,
para que ninguém mais a ocupasse, passou para o restaurante ao lado, o “Gambrinus”,
onde se serve um grande peixe. Ou se servia? Não sei se o fogo chegou lá. Prefiro
pensar que tudo será recuperado e voltará a ser como era antes. Menos, é claro,
eu.
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