sábado, 2 de fevereiro de 2013



03 de fevereiro de 2013 | N° 17332
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

Ela me conquistou

Vivo aprendendo com meu filho. Porque uma criança está limpa para o mundo, está receptiva a tudo o que vier de fora. O mundo é que a molda. Então, olhando para ele, vejo como o mundo poderia ser diferente.

Por exemplo: o nosso mundo adulto tem o hábito de classificar coisas e pessoas. Isso é melhor do que aquilo, esse é o primeiro, aquele é o segundo, lá está o último. Bem. Tempos atrás, perguntei para o meu guri qual era o carrinho de brinquedo de que ele mais gostava. Ele respondeu, casualmente:

– Todos.

– Todos? Não pode ser. Tem que haver um especial. Qual é?

– Gosto de todos – repetiu. E seguiu brincando: – Vrrrrummmm...

Insisti:

– Mas tem que ter um. Tem que ter. É esse? Aquele?

E continuei amolando o menino, esse?, aquele outro?, até que ele, para me satisfazer e continuar brincando em paz, pegou um carrinho aleatoriamente e mostrou:

– Tá. É esse. Vrrrruuummmm...

Só aí decidi deixar de ser chato e entendi: por que não gostar de todos? Por que precisamos classificar e rotular tudo? Óbvio, assim acalmamos o cérebro e a alma. Já decidi que o meu prato preferido é bacalhau a Gomes de Sá, pronto, não preciso mais pensar nisso.

Fiel a esse mau hábito, volta e meia classifico minhas preferências. Melhor compositor? Chico. Melhor intérprete: o Rei. Melhor texto? Capote. Melhor bebida? Chope. Melhor cidade? Paris.

Até que Londres me conquistou.

E Londres foi devagar e insinuante neste processo. Tive algumas experiências com ela, mas, quando passamos mais tempo um com o outro, durante a Olimpíada, percebi como ela era especial, como combinávamos e como eu tinha de me entregar. Agora, que estou voltando para a Velha Álbion a fim de cobrir o jogo da Seleção, confesso: é você, garota. Na verdade, sempre foi você.

Pequeno, muito pequeno

Londres pode ser dos Beatles ou dos Stones, de Churchill ou da Rainha Vitoria, de Jack o Estripador ou de Agatha Christie. Escolha. Eu fico com o rei Henrique VIII e suas seis mulheres. Gosto muito da história desse rei, porque ele foi um homem que usufruiu plenamente do seu tempo sobre a superfície da Terra.

Quando jovem, Henrique VIII era considerado o príncipe mais belo da Europa. Um dia, porém, machucou a perna e nunca mais se recuperou. Não podia mais fazer exercícios físicos. Como naquele tempo não havia refrigerante light, adoçante ou pão integral, o rei começou a engordar. No fim da vida, era um gordo mórbido que, para arrematar, emanava um cheiro putrefato do ferimento na perna.

Seu primeiro casamento foi com a viúva do seu irmão, a espanhola santarrona Catarina de Aragão. Mas ele logo se cansou dela, apaixonou-se pela belíssima Ana Bolena e resolveu se divorciar. Como a igreja católica não permitia o divórcio, Henrique rompeu com o papa e fez uma igreja para ele próprio, a Anglicana. Só que Ana Bolena também o aborreceu, e ele solucionou a questão mandando decapitá-la. A terceira mulher de Henrique, a quem ele amava com devoção, morreu de doença.

A quarta traiu-o com ordem e método, pelo que Henrique também deu um jeito de separar-se dela e, em seguida, separá-la da própria cabeça. A quinta foi indicada a ele por um ministro, mas naquele tempo não havia Facebook e Henrique só descobriu que ela era muito feia no dia do casamento. Arrependido, divorciou-se dela e mandou executar o ministro com toques sutis de crueldade. A sexta era uma mulher mais sensata: não traiu o rei, nem o incomodou e parece que era bem bonitinha. Ele ficou com ela até morrer.

De todas essas rainhas, a que mais gosto é Ana Bolena. Quando soube que iria ser executada, ela exigiu que o carrasco viesse da França, porque o instrumento de trabalho dele era a espada, não o machado. Você pode achar que não existe diferença, certamente porque você não conhece muito de decapitações.

O problema é que, com o machado, o condenado tem de deitar a cabeça no cepo. Às vezes, o verdugo errava o golpe, batia nos ombros ou na cabeça do réu, que sofria miseravelmente. Mas, com a espada, o carrasco dava o golpe lateralmente, podia enquadrar melhor o corpo, e, além disso, a lâmina da espada é maior do que a do machado. Então, se você for condenado à morte por decapitação, lembre-se de escolher a espada, como Ana Bolena. Pois bem, quando o verdugo francês chegou, ela levantou o cabelo, mostrou o pescoço e perguntou:

– É pequeno, muito pequeno, não é verdade?

Até na morte Ana Bolena foi uma mulher perturbadora.

Soneto de separação

Um dos mais belos poemas de Vinicius é o Soneto de Separação. Ele o escreveu em 1938, dentro do navio que o levava para Londres, olhando as ondas escuras do Atlântico e pensando na mulher amada que ficava no lado de baixo do Equador.

Neste dia em que também vou para Londres, lembrei dessa bela obra de Vinicius, até porque em outubro completam-se 100 anos do nascimento do poetinha. Leia e se emocione, meu velho:

De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente, da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


O diário de Vic: 21 de outubro de 2012

Hoje começou o horário de verão, pra minha infelicidade.

E, pra completar, o meu hamster morreu.

Morreu afogado.

A gente deixava ele fora da gaiola.

Tapamos tudo que é buraco pra ele não fugir pra rua.

Tinha um balde na cozinha e ele pulou ali pra dentro.

Era de noite quando ele fez isso. Nós não vimos nada, pois estávamos dormindo.

De manhã, quando a mãe se acordou, viu o hamster dentro do balde.

Tinha que ver o fiasco que ela fez. Ela deu um grito e começou a chorar.

Até achei que tinha acontecido coisa pior.

Não sei como ele conseguiu entrar no balde. As paredes do balde são lisas e ele tinha as unhas muito compridas.

Se ele tentasse subir, ia acabar resvalando.

Pra mim é alguma coisa que tem na casa.

Sinal de morte de bicho dentro de casa não é boa coisa.

Agora deixa. Vou comprar outro.

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