sábado, 8 de setembro de 2012



08 de setembro de 2012 | N° 17186
CLÁUDIA LAITANO

Coincidências

O secretário de Lincoln, chamado Kennedy, implorou ao chefe que não comparecesse ao teatro naquela noite de abril de 1865 em que o presidente americano foi morto por John Wilkes Booth enquanto assistia a um espetáculo.

O secretário de Kennedy, chamado Lincoln, pediu ao chefe que não viajasse para Dallas, onde o presidente planejava iniciar sua campanha de reeleição – e acabou sendo assassinado por Lee Harvey Oswald na tarde de 22 de novembro de 1963. Booth matou Lincoln em um teatro e fugiu para um armazém. Oswald alvejou Kennedy de um armazém e fugiu para um teatro. Mortos, tanto Lincoln quanto Kennedy foram sucedidos por presidentes chamados Johnson.

O feixe de episódios, datas e incidentes que unem as trágicas biografias de dois dos mais populares presidentes americanos era o lote mais estimado de fatos aparentemente inexplicáveis que o escritor húngaro Arthur Koestler (1905-1983), autor do clássico O Zero e o Infinito, colecionava.

O escritor era um compilador de episódios desse tipo – que para ele não eram coincidências, mas manifestações de uma espécie de energia organizadora transcendente. Judeu nascido em Budapeste no começo do século passado, Koestler foi preso, exilado e perseguido pelo regime soviético.

Essencialmente cético em relação à humanidade, Koestler sentia-se envolvido por aquilo que o ateu Sigmund Freud batizou de “sentimento oceânico” – a sensação que algumas pessoas têm de fazer parte de algo maior do que elas, como o útero materno ou um oceano. Da balbúrdia caótica da realidade, Koestler pinçava aqueles momentos em que uma série de notas aleatórias parecia soar como uma melodia. De alguma forma, seu “sentimento oceânico” dava sentido e propósito a sua vida.

Coincidências podem ser encaradas como aquelas flores delicadas e perfeitas que crescem junto ao mato desregrado de um terreno baldio. Podemos ser surpreendidos pela explosão de beleza em meio ao caos, e até nos comover sinceramente com ela, mas isso não nos permite ignorar seu caráter aleatório.

Muitas pessoas não toleram a ideia de coincidência porque talvez tenham dificuldade de aceitar que a casualidade comanda boa parte dos eventos que influem mais decisivamente no curso das nossas vidas: o grande amor que nasce da circunstância de duas pessoas sentarem-se lado a lado em um avião ou uma morte que poderia ter sido evitada se um carro cruzasse por uma determinada esquina 15 segundos antes ou 15 segundos depois.

Já ouvi muitas vezes a frase “não existem coincidências” dita com o tom solene de quem profere uma verdade evidente por si só: nada acontece por acaso, o bater de asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo e por aí vai. Negar que algumas coisas acontecem sem motivo ou ordenação é uma forma socialmente aceita de pensamento mágico. Inventa-se uma lógica para explicar aquilo que não se entende – e a lógica acaba passando por aquilo que não é, ou seja, lógica.

Admitir o acaso (ou o caos) não oferece qualquer consolo diante da dor nem é tão divertido quanto montar quebra-cabeças ligando fatos que não têm qualquer conexão, mas é tão inescapável para alguns quanto o sentimento oceânico que leva outros a ver sentido e propósito em tudo.

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