Por
Rodrigo Pedroso | De São Paulo
Seca afeta volume dos reservatórios e
preço da energia já sobe
Paulo
Pedrosa, presidente da Abrace: "Estamos seguros, mas usamos recursos mais
caros, afetando todo o sistema".
A
forte seca que atingiu o país neste ano deixou os reservatórios mais secos,
afetou o preço de energia no mercado livre e deve influenciar o valor das
contas de luz dos consumidores cativos - residenciais, industriais e do
comércio - no próximo ano. O nível dos reservatórios do Nordeste, Sudeste e
Centro-Oeste está abaixo do normal para esta época do ano.
De
acordo com o controle do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a
capacidade total dos reservatórios do Nordeste encerrou julho com 60,4% de
energia armazenada, quase um quarto abaixo do nível registrado no mesmo período
ano passado, quando ficou em 79,59%. Além disso, o nível de julho deste ano foi
o menor desde 2003. Com a persistência da falta de chuva, a situação se agravou
em agosto. No dia 27, o ONS registrou nível de 53,1% de energia armazenada nos
reservatórios da região. No mesmo dia, em 2011, esse percentual havia sido de
75,1%.
No
sistema Sudeste/Centro-Oeste, o principal na geração das hidrelétricas, o nível
em julho deste foi de 66,91% de energia armazenada, o mesmo de 2010 e também
muito inferior ao mesmo mês do ano passado (80,65%). O ONS só havia registrado
situação mais crítica na região dez anos antes, quando os reservatórios do
sistema atingiram volume médio de 61,69%. No dia 27, os reservatórios do
sistema estavam com 59% de capacidade. Um ano antes, ele estava em 75,1%.
A
primeira consequência da queda do nível dos reservatórios foi o aumento do
preço da energia no mercado livre. Segundo dados da comercializadora e gestora
Safira Energia, o MWh foi comercializado, em média, a R$ 102 em julho. No mesmo
período de 2011, o preço havia sido de R$ 33. Mikio Kawai Junior,
diretor-executivo da Safira, lembra que no ano passado a época de chuvas deixou
os reservatórios com um nível muito elevado, enquanto neste ano o clima se
mostrou atípico, com março seco.
"A
queda no nível e a perspectiva de que a estação chuvosa ainda vai demorar
alguns meses para começar fizeram com que o sistema nacional acionasse outros
tipos de matriz energética, como usinas a óleo e a gás, que são
substancialmente mais caras. Ano passado, quase toda a energia comercializada
era de fonte hídrica", explicou Kawai. Segundo o diretor, de janeiro a
julho os reservatórios de todo o país armazenaram 2.885 milímetros de chuvas,
quantidade 17% menor do que no mesmo período do ano passado.
Para
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o custo
do acionamento maior de usinas térmicas para abastecer a demanda só será
repassado ao mercado cativo após o vencimento dos contratos anuais firmados
pelas distribuidoras. "A compra mais cara de hoje vai sempre para o ano
seguinte. As geradoras repassam logo o custo quando muda a matriz,
diferentemente das distribuidoras, que amortecem o aumento. O preço de hoje é
fruto do cenário do ano passado, em que a energia de origem hidráulica teve maior
participação no consumo total", informou.
De
acordo com o ONS, as térmicas representaram 4,5% do total de energia consumido
no ano passado. Em 2010, quando a estação seca teve características como a
deste ano, a fatia foi de 7,3%.
Apesar
de o retorno das chuvas estar previsto para outubro, apenas no mês seguinte o
efeito de reservatórios mais cheios deve chegar ao mercado. Até lá, a
estimativa é que o preço médio para o mercado livre fique em torno de R$ 150,
menos para a energia consumida pelos nordestinos, que está sendo mais afetada.
"A seca está mais forte nessa região. Esperamos um descolamento nos
preços, com o MWh devendo chegar a até R$ 250", disse Mikio Kawai Junior.
Paulo
Toledo, sócio-diretor da Ecom Energia, prevê preços altos no segundo semestre.
Segundo ele, caso setembro registre um volume considerável de chuvas, os preços
entram na descendente em outubro. "O mercado está mais volátil neste ano
em função das flutuações atípicas e do tempo, mais seco que o normal",
disse.
A
Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de
Consumidores Livres (Abrace) também projeta aumento de preços, mas não apenas
para o consumidor livre. De acordo com o presidente-executivo da associação,
Paulo Pedrosa, o Preço de Liquidação de Diferença (PLD) da energia - que não
conta o ágio na venda no mercado livre - está hoje em torno de R$ 140 o
megawatt-hora. Com as reservas mais baixas, estão sendo acionadas térmicas a
gás que produzem a cerca de R$ 150 o MWh.
No
entanto, até que o nível de água nos reservatórios aumente, a demanda fará com
que térmicas a combustível, como o diesel, entrem em operação, com preços ainda
maiores, de cerca de R$ 400 o MWh segundo ele.
As
regiões Sul e Norte, que juntas geram 10% no total da energia hidrelétrica
produzida pelo país, também estavam em julho com um nível que não era
registrado nos últimos anos. No Norte, os reservatórios operavam com 79,58% da
capacidade, e no Sul, com 73,91%.
A
chamada "curva de aversão ao risco", calculada pelo ONS e que define
a partir de que momento as térmicas são mais ou menos acionadas, foi elevada
ontem, mas ainda indica um espaço razoável para a operação segura do sistema
(ver reportagem abaixo). A curva é o limite da capacidade dos reservatórios
antes que a oferta de energia elétrica seja comprometida.
"Não
temos problema de segurança energética. Estamos seguros, mas para isso usamos
recursos mais caros, afetando todo o sistema. O que é paradoxal em um ano em
que o governo está tentando atacar o problema do preço da energia no
país", observou Pedrosa.