Veríssimo
O príncipe das
águas
Dizem
que amor de verão nunca dura mais do que o bronzeado, mas no caso deles seria
diferente. Dóris e Douglas tinham se conhecido na praia e no fim das férias ela
já estava segurando as coisas dele quando ele entrava no mar para surfar, e não
há prova maior de amor eterno do que isso. Dóris ficava na beira do mar vendo o
Douglas surfar, abraçada à sua japona, à sua bermuda e às suas havaianas e
pensando "ele é um Deus, ele é um príncipe das águas".
Tinham
se amado tanto que nem sobrara tempo para se conhecerem. Não sabiam nada um do
outro. Era como se a vida dos dois tivesse começado ali, naquela praia. Sem
passado, sem biografias, sem confidências ("gostas de novela?"), sem nada.
Apenas se adoravam.
Ela
precisou voltar para a cidade antes dele, seu curso (direito, como o pai) já ia
começar, mas combinaram de se telefonar todos os dias. Mas passou o tempo e ele
não telefonou, e quando ela ligava para o celular dele dava caixa de mensagens,
e ele não respondia às suas mensagens.
Até
que ela desistiu, e passaram-se meses. E um dia pediram pizza na casa dela
(meia calabresa, meia primavera, não que isso importe) ela abriu a porta - e
era ele! O entregador de pizzas era o Douglas. O príncipe das águas.
-
Douglas!
-
Dóris!
-
Você, você...
Dizer
o quê? Você não passa de um entregador de pizzas? E ele, diria o quê? Qual é o
problema, entregar pizzas é uma profissão digna como qualquer outra? Ou: eu
entrego pizza como bico enquanto termino o meu curso de física nuclear? Ou: sou
o dono da pizzaria, o nosso movimento é tão grande que hoje faltou entregador,
você não imagina o que nós faturamos por mês, além de bonito eu sou rico, quer
casar comigo? Ou: na praia era um disfarce, ou isto é um disfarce. Você
escolhe.
Mas
só o que ele disse foi:
-
Pois é...
-
Por que você não telefonou?
- É
que, sabe cumé...
Ela
pagou pela pizza, agradeceu, e quando pensou em perguntar "No verão que
vem, a gente se vê?" ele já tinha entrado no elevador e desaparecido. Como
quem desaparece numa onda, para nunca mais.
Bruce.
Outra história de amor de verão parecida começou com uma mentira. Quando ele
perguntou para ela qual era seu nome, ela respondeu:
-
Stefani.
Ele
por pouco não desistiu. Puxa, Stefani. Não sabia se tinha condições para ficar
com uma Stefani. Aquele corpo, aqueles cabelos loiros escorridos, aquela boca -
e Stefani! Ele se chamava Felipe. Um simples Felipe. Suas pretensões eram de
Felipe, seus limites eram os de um Felipe.
Tinha
medo de que depois do primeiro beijo ela sorrisse um sorriso de Stefani e seus
olhos dissessem "Vá se catar, garoto", e ela saísse à procura de
alguém que a merecesse, que certamente não seria um mero Felipe. O mundo das
Stefanis não é para qualquer um. Há eunucos armados guardando o portão do mundo
das Stefanis para proibir a entrada de felipes e similares.
- E
o seu?
- O
quê?
-
Como é o seu nome?
- Ah, é... Bruce.
- Bruce?
Bruce. Um Bruce poderia beijar uma
Stefani sem medo. Sem risco de um "vá se catar". Um Bruce transitaria
pelo mundo das Stefanis com naturalidade, como um frequentador assíduo. Um
Bruce...
- Na
verdade - disse ela - meu nome é Maria Helena.
-
Você mentiu!
- É.
Desculpe.
Beijaram-se.
Ficaram. Namoraram até o fim das férias. O único problema para o Felipe foi
manter o Bruce. Adotar um comportamento de Bruce. Ser um Bruce, sem que a Maria
Helena desconfiasse que ele também mentira..
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