08
de junho de 2012 | N° 17094
DAVID
COIMBRA
Muquiranagem em estado sólido
O
Rio Grande do Sul é um Estado muquirana. O que não significa que todos os gaúchos
sejam muquiranas, claro. Muitos não são. Mas há uma névoa de muquiranagem
pairando entre a fronteira oeste histórica e as franjas procelosas do Oceano
Atlântico, infiltrando-se, sobretudo, nos palácios do poder.
As
pessoas olham e não acham a muquiranagem um defeito grave, mas é justamente
essa característica que faz do Estado o que menos investe em educação, o que
tem a masmorra mais desumana do país, o que oferece um dos 10 piores sistemas
de tratamento da água do Brasil, o que apresenta um índice de 97% de reprovação
num teste para professores, o que elege governantes que só conseguem
administrar escorchando o contribuinte.
A
muquiranagem é um problema sério porque dá à pessoa a justificativa para não
fazer o melhor que pode. O muquirana é isso: é aquele que bota material de
segunda, que pretere a beleza pela economia, que confunde o popular com o
barato, que considera luxo o que é sofisticado. O muquirana nunca ousa, ele
alega que existem outras prioridades. O prefeito muquirana diz assim:
– Eu
não posso transformar essa orla em um local aprazível para as pessoas se
divertirem, enquanto outras pessoas passam fome na vila.
Aí ele
não transforma a orla em um local aprazível para as pessoas se divertirem, e as
outras pessoas continuam passando fome na vila.
Não
faço a ilustração por acaso. É que está justamente ali, espalhado na orla do
Guaíba, o maior exemplo de muquiranagem da cidade. Nos anos 80, o então
prefeito Collares rasgou num naco dessa orla a última obra pública não
muquirana da Capital: a Avenida Beira-Rio. Havia algumas propostas questionáveis
no projeto, como a permissão de construção de arranha-céus, mas, no geral, era
uma ótima ideia, muito mais abrangente do que se tornou.
Mesmo
assim, Collares por pouco não foi derrubado da prefeitura. Um dia, milhares de
muquiranas foram para o local, um ermo repleto de touceiras, lixo e mendigos
que se drogavam em meio às ratazanas. Os muquiranas deram-se as mãos e, simbolicamente,
“abraçaram a orla”, na tentativa de protegê-la do asfalto do capitalismo. Gritavam
que, por “consciência ecológica”, impediriam a derrubada da vegetação nativa (a
propósito: aquilo é um aterro).
Hoje,
se você fizer um passeio pela Beira-Rio, constatará que ali está a mais bela
avenida da cidade. Abstenha-se de olhar para os quiosques bagaceiras do Gasômetro
e para as peças de arte contemporânea plantadas nas imediações.
Veja
as pessoas caminhando, correndo, passeando de bicicleta e até de patins, veja-as
tomando chimarrão, admirando o espelho d’água do rio-lago, fazendo exercícios,
rindo e conversando. Elas estão felizes. Entre elas, os muquiranas. Que não
fizeram nada. Muquiranas não fazem. Nem deixam fazer.
Gre-Nal
é Gre-Nal
Neste
sábado, depois do Jornal do Almoço, estreia a segunda temporada de Gre-Nal é Gre-Nal
nos Curtas Gaúchos da RBS TV. Os episódios são baseados em pequenos contos
meus, melhorados pelo caprichoso (e não muquirana) trabalho dos roteiristas, da
direção e dos atores.
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