sábado, 9 de junho de 2012



09 de junho de 2012 | N° 17095
PAULO SANT’ANA

O casaco de lã

Todo dia de pagamento aqui na RBS (dia 5), bate-me uma forte autocomiseração.

Doem-me como um punhal cravado no peito as lembranças da minha infância.

Eu estudava no Júlio de Castilhos, 1ª série ginasial, tinha 11 anos. Era alegre a hora do recreio, todos os alunos corriam para o bar e o meu maior sonho era poder comer um mil-folhas com Coca-Cola.

Todos comiam e bebiam e eu ficava olhando-os de longe, sem dinheiro para o lanche.

Que dor me causa hoje essa lembrança!

Havia por essa época uma turminha de quatro ou cinco garotos que se reuniam todas as noites ali no Partenon, sob a liderança de um adulto, o saudoso Cláudio Goandete.

Depois das conversas, iam todos para o bar Monte Pascoal, na Avenida Bento Gonçalves, quase esquina Rua Guedes da Luz.

E eu não ia para o bar com eles porque me faltava dinheiro para tomar meia taça de café com leite com um sanduíche. Quanto me custava essa dor, mas o interessante é que me parece que me dói mais hoje do que me doía naquela época.

Nós nos reuníamos também no inverno, e os meus amigos um dia disseram que talvez seria o caso de fazerem uma “vaquinha” para me dar um casaco de lã grossa que me protegesse do frio. Parece que ficavam com pena de eu ter de me reunir a eles com camisa de verão. Não tinha dinheiro para comprar roupa.

Dói-me muito isso hoje, é interessante que eu me lembre dessas passagens. E que por isso eu tenha profundo respeito pelas pessoas pobres.

Eu fui uma criança que não teve bicicleta. Não tive bilboquê, a rara lembrança de brinquedo que tive é de uma gangorra sem graça que meu pai me deu um dia no Natal.

Já adolescente, um dia fui a um psiquiatra e me queixei muito de meu pai, contei-lhe que não ganhava nada dele, que me faltava tudo e meu pai não me abastecia de coisas simples que no entanto eram essenciais para que eu sobrevivesse.

O psiquiatra me olhou e me perguntou: “Tu já pensaste que talvez teu pai não tivesse recursos para te fornecer as coisas que te faltavam?”.

Eu nunca tinha pensado nisso. Mas é quase certo que era verdade.

O que mais eu queria era desfilar na parada dos colégios no dia 7 de setembro.

O colégio exigia calça azul-marinho e camisa branca rulê. Eu tinha uma camisa branca mas não era de gola rulê.

Lá fui eu desfilar na parada, constrangido porque estava vestido de forma diferente de todo o colégio, graças à misericórdia do professor que não quis impedir que eu desfilasse só por causa daquele detalhe estético.

Mas eu desfilei com vergonha do meu deslize.

Não sei se não estou exagerando ao sentir pena da mim na infância. Mas sinto.

É possível que eu esteja apenas comparando a minha condição socioeconômica de hoje com a da minha infância.

É complicado, mas é muito difícil a gente, depois de tornar-se adulto, conseguir se libertar de alguma recordação triste da infância.

Sempre a infância a martelar os nossos pensamentos.

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