04
de junho de 2012 | N° 17090
ARTIGOS
Proposta
indecente
Episódio
ocorrido em abril, dia 26 para ser mais preciso, só agora divulgado pela Veja –
edição de 30 de maio –, e depois publicado em toda a imprensa, marcou de forma
indelével a sucessão de fatos discrepantes da ética pública e privada.
Continua
a repercutir em seus desdobramentos, dada a sua particularíssima singularidade,
assim pelo já noticiado como pelo que deixou de sê-lo. A circunstância do
encontro promovido por iniciativa do ex-presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva, no escritório do ministro Nelson Jobim, com o ministro Gilmar
Mendes, por si só justificaria a maior das repercussões; realmente as três
personagens são indiscutivelmente fora de qualquer dúvida integrantes do alto
estamento nacional.
Segundo
a mesma fonte, o ex-presidente, que já tomara a iniciativa de promover a
reunião, dirigindo-se ao ministro do STF, Gilmar Mendes, com uma finura de dar
ciúmes ao Itamaraty, sustentou sem meias palavras a inconveniência de
realizarem-se as eleições municipais antes do julgamento do processo criminal
conhecido como mensalão. Não é preciso dizer que a liberdade que se
autoconsentiu o ex-presidente chocaria um frade de pedra.
Como
é sabido, há coisas que podem ser pedidas a um juiz e há coisas que não podem,
em caso algum, ser objeto de um pedido a um magistrado. Dir-se-á que o
ex-presidente não tem formação jurídica, mas é um ex-presidente e isto bastaria
para que ele, como qualquer pessoa sabe, que há coisa que um ex-presidente não
pode fazer. O decoro inerente a quem exerceu o mais alto cargo da nação inibe
certas liberdades que qualquer pessoa, mesmo a mais modesta, em sã consciên-
cia sabe, que não pode praticar.
Mas
o que aumenta de maneira formidável a indecência da proposição é que a
indecorosidade foi ainda mais longe, na medida em que o mesmo ex-titular da
Presidência da República se permitiu anunciar ao ministro Gilmar Mendes que
tinha o “controle” sobre a CPI, recém criada pelo Congresso, e que teria
condições de “blindar” a pessoa do ministro aludindo a viagem que fizera a
Berlim com a participação suspeita do esquema contraventor que hoje ocupa a
mídia nacional.
O
ministro que teria sido alvejado diretamente pelo ex-presidente, sempre pela
mesma fonte, replicou que ia a Berlim como o seu generoso e solícito protetor
ia a São Bernardo, e que fizera a viagem, custeada com recursos seus como
poderia demonstrar e veio fazê-lo, até porque em Berlim reside uma filha.
Esse
aspecto parece ser de todos o mais grave, porque no fundo deste estratagema
ressaltam os elementos de um delito e não pode recomendar, como não recomenda,
a sua utilização por quem, em certo momento foi portador das insígnias
nacionais.
O
caso tem outros aspectos, igualmente graves e constrangedores, também aludidos
na matéria, mas que me abstenho de aflorá-los pelas limitações que o espaço me
impõe. Não posso deixar, porém, de observar que o ex-presidente da República e
o dono do escritório não confirmaram os mencionados oferecimentos apontados
pelo ministro Gilmar Mendes.
Mas
o que me parece particularmente sugestivo é que ambas as personalidades não
disseram uma palavra do que fora tratado na reunião de 26 de abril. Afinal de
contas, dada a eminência de seus participantes, não é de admitir-se que
houvessem se reunido para uma rodada de canastra, tratar da escalação da
Seleção Brasileira ou dos desafios da Copa.
Já
que a proposta indecente, confirmada pelo ministro Gilmar Mendes, não mereceu a
confirmação dos outros convivas do encontro, não estariam eles na contingência
de levar ao conhecimento da nação a sua versão do que lá foi tratado?
PAULO
BROSSARD* | *JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF
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