sábado, 2 de agosto de 2014


03 de agosto de 2014 | N° 17879
VIDA INTERIOR | Diana Corso

Posta Restante

ESTOU COM O problema dos filhos órfãos: preciso descobrir como dar uma notícia urgente para meu pai

Quando precisamos enviar uma carta para alguém que não tem como indicar um endereço para recebê-la, a destinamos à Posta Restante. Dessa forma, ela vai para a agência de correios da região mais próxima e espera-se que o destinatário vá buscá-la. Vou ter de lançar mão desse recurso, porque é quase Dia dos Pais e preciso urgentemente dar uma notícia importante para o meu.

Acontece que ele se foi para sempre. Estou com o problema dos filhos órfãos, mesmo que tardios, que sequer possuem uma Posta Restante para usar. Há órfãos da vida toda, mas, seguindo o curso natural, esse desamparo próprio da orfandade acaba chegando para todos. Nesses casos, precisamos utilizar a imaginação, travar diálogos na fantasia para contar as novidades.

Queria muito contar ao meu pai que seu neto, meu sobrinho portenho, acabou de se formar. Ele agora é o segundo psicólogo da sua geração na família. Como fazemos quando os pais já não têm como ficar sabendo dessas coisas?

Sei que há progenitores indignos de serem chamados de pais, que são narcisistas, malucos, destrutivos ou indiferentes à vida dos filhos. Por sorte, são minoria. Já os que vestiram a camiseta da paternidade são os maiores entusiastas, interessados nas gracinhas iniciais, assim como nas conquistas posteriores das suas crias. Ao longo da vida, teremos de dar jeito de angariar novos públicos: amigos, amores, colegas, filhos, mas com os pais já temos a garantia, de saída, de uma plateia inicial.

Pior, que fazer conosco nos dias de homenagem, quando não há a quem presentear? Há substitutos: figuras paternas que nos inspiraram, nos cuidaram ou nos amaram, mas o tempo vai nos roubando também a estes, deixando-nos à deriva, como uma carta sem endereço.

Com meu pai, nos últimos anos, desenvolvemos uma forma intimista de comemoração: em alguma hora do domingo, íamos a um café conversar e passávamos a vida a limpo. Era um engenheiro, homem de relatórios, objetivos claros. A formatura desse neto estava entre suas metas, iria alegrar-se muito, mas para onde mando o relato minucioso do evento?

Nossa forma de celebração servia para lembrar que a vida dos filhos é o melhor presente para seus pais. Muito mais difícil de oferecer do que um objeto de loja, é a continuação de seus ideais que eles gostariam de receber em troca do tanto que sonharam em nós. Embora esse tipo de oferenda pareça uma missão irrealizável, na verdade a falta dela acaba sendo muito mais difícil de suportar. Pais são aqueles a quem destinamos nossas notícias, enquanto os filhos são os remetentes. De um jeito ou de outro, sempre resta algum lugar para onde postar. Mesmo que seja nos pensamentos.


Diana Corso é psicanalista e escreve quinzenalmente neste espaço, em rodízio com o pesquisador Ronaldo Mota.

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