sábado, 30 de agosto de 2014


31 de agosto de 2014 | N° 17908
MARTHA MEDEIROS

Histórias de amor

Você vive um amor ou uma história de amor?

Tem diferença, sim. Um amor é a realização plena de um sentimento recíproco. Passa por alguns ajustes, negociações, mas desliza. Pode perder velocidade aqui, ganhar ali, mas não é interrompido pelas dúvidas, não permite a entrada de terceiros, tem a consistência das coisas íntegras, duráveis. O amor, amor mesmo, é uma sorte que se honra, uma escolha em que se aposta diariamente, o amor é algo que nasce e frutifica.

Já uma história de amor é, como diz o termo, uma invenção. Algo para ser contado ao analista, desabafado para os amigos, uma narrativa chorosa e trágica, um acontecimento beirando o folclórico, um material bruto pedindo para ser transformado em obra de arte. Toda história de amor está impregnada de obstáculos que lhe conferem um status de ficção.

Amor proibido pela família, rejeitado pela sociedade, condenado por preconceitos, amor que exige fugir de casa, pegar em armas, trocar de identidade: virou história de amor. Perde-se um tempo enorme roteirizando o dia seguinte. Se fosse amor, simplesmente amor, o dia seguinte amanheceria pronto.

Amor que coleciona mais brigas que beijos, mais discussões que declarações, mais rendições que entrega: virou história de amor. Pode subir aos palcos, transformar-se em filme, faturar na bilheteria: tem enredo. Mas não tem continuidade. Sai de cartaz rapidinho.

Amor que sobrevive à distância, que se mantém através de cartas e telefonemas (permita-me a nostalgia, sobreviver pelo whattsapp não combina com literatura), o amor sem parceria, sem corpo presente, o amor que não se pratica, que não se lubrifica, que enferruja por falta de uso: virou história de amor. Sofrido como pedem os poemas, glorificado pela vitimização, até o dia em que a ausência do outro deixa de ser um ingrediente pitoresco e você descobre que cansou de dormir sozinha.

Amor que exige insistência, persistência, paciência: virou história de amor. Se fosse amor, nada além de amor, navegaria em águas mais tranquilas, não exigiria tanto de seus protagonistas, o entendimento seria instantâneo, sem exagero de empenho, desgaste, sofrimento. Aff. Histórias de amor são fantásticas na primeira parte, tiram o ar, movimentam a vida, mas da segunda parte em diante viram teimosia dos autores, que relutam em colocar o ponto final na saga que eles próprios criaram.

Amor ou história de amor, o que se prefere?


Aventureiros, notívagos, hereges, rabugentos, sedutores, inquietos, fetichistas, insaciáveis, pecadores, estrangeiros, narcisistas, intrépidos, dramáticos, agradecemos cada verso e cada noite mal dormida que vocês deixaram de lembrança, mas um dia a gente cresce e a fantasia cede lugar à sensatez: um amor está de bom tamanho.

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