31
de agosto de 2014 | N° 17908
MARTHA
MEDEIROS
Histórias de
amor
Você vive um amor ou uma história de amor?
Tem
diferença, sim. Um amor é a realização plena de um sentimento recíproco. Passa
por alguns ajustes, negociações, mas desliza. Pode perder velocidade aqui,
ganhar ali, mas não é interrompido pelas dúvidas, não permite a entrada de
terceiros, tem a consistência das coisas íntegras, duráveis. O amor, amor
mesmo, é uma sorte que se honra, uma escolha em que se aposta diariamente, o
amor é algo que nasce e frutifica.
Já
uma história de amor é, como diz o termo, uma invenção. Algo para ser contado
ao analista, desabafado para os amigos, uma narrativa chorosa e trágica, um
acontecimento beirando o folclórico, um material bruto pedindo para ser
transformado em obra de arte. Toda história de amor está impregnada de
obstáculos que lhe conferem um status de ficção.
Amor
proibido pela família, rejeitado pela sociedade, condenado por preconceitos,
amor que exige fugir de casa, pegar em armas, trocar de identidade: virou
história de amor. Perde-se um tempo enorme roteirizando o dia seguinte. Se
fosse amor, simplesmente amor, o dia seguinte amanheceria pronto.
Amor
que coleciona mais brigas que beijos, mais discussões que declarações, mais
rendições que entrega: virou história de amor. Pode subir aos palcos,
transformar-se em filme, faturar na bilheteria: tem enredo. Mas não tem
continuidade. Sai de cartaz rapidinho.
Amor
que sobrevive à distância, que se mantém através de cartas e telefonemas
(permita-me a nostalgia, sobreviver pelo whattsapp não combina com literatura),
o amor sem parceria, sem corpo presente, o amor que não se pratica, que não se
lubrifica, que enferruja por falta de uso: virou história de amor. Sofrido como
pedem os poemas, glorificado pela vitimização, até o dia em que a ausência do
outro deixa de ser um ingrediente pitoresco e você descobre que cansou de
dormir sozinha.
Amor
que exige insistência, persistência, paciência: virou história de amor. Se
fosse amor, nada além de amor, navegaria em águas mais tranquilas, não exigiria
tanto de seus protagonistas, o entendimento seria instantâneo, sem exagero de
empenho, desgaste, sofrimento. Aff. Histórias de amor são fantásticas na
primeira parte, tiram o ar, movimentam a vida, mas da segunda parte em diante
viram teimosia dos autores, que relutam em colocar o ponto final na saga que
eles próprios criaram.
Amor
ou história de amor, o que se prefere?
Aventureiros,
notívagos, hereges, rabugentos, sedutores, inquietos, fetichistas, insaciáveis,
pecadores, estrangeiros, narcisistas, intrépidos, dramáticos, agradecemos cada
verso e cada noite mal dormida que vocês deixaram de lembrança, mas um dia a
gente cresce e a fantasia cede lugar à sensatez: um amor está de bom tamanho.
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