10
de agosto de 2014 | N° 17886
MARTHA
MEDEIROS
Filhos do pai
Dia
desses, eu ouvi que sou um homem moderno porque cuido dos meus filhos. E minha
ex disse que é uma mulher moderna e, por isso, não pode gastar seu tempo
cuidando das crianças, ela tem sonhos a alcançar. É tão estranho. Uns são
modernos porque fazem e outros porque deixam de fazer a mesma coisa. Como
explicar isso para os meninos?”
É um
dos depoimentos que compõem o livro Filhos do Pai, de Valeria Santoro e Ana
Paula Junqueira. Eu poderia ter selecionado qualquer outro, mas esse me pareceu
bem representativo do que anda acontecendo: um contrafluxo. Mulheres saindo
para caçar seu sustento e homens retornando para o interior das cavernas. Uma
troca salutar de papéis, desde que a inversão não se polarize, agora de forma
oposta. Perfeito seria que homens e mulheres negociassem a distribuição do seu
tempo a fim de não prejudicar a criação dos filhos, ainda mais durante a
primeira infância. Como tudo na vida, o parâmetro é o bom senso.
O
livro da Valéria e da Ana Paula mostra uma revolução visível, ainda que
silenciosa: os homens estão cobrindo nossas ausências. Cozinham mais, se
envolvem mais com os afazeres domésticos, começam a expor mais seus sentimentos
e, para o bom equilíbrio emocional da família, abandonaram a posição de pais
distantes e agora tomam conta da gurizada com o afeto e o cuidado que antes era
exclusividade feminina da casa. Ganham
todos, de todos os lados.
Os
depoimentos mostrados em Filhos do Pai privilegiam histórias de abandono de lar
por parte da mãe, viuvez e outras situações em que não resta alternativa a não
ser o homem assumir integralmente o cuidado com o filho. No entanto, essa súbita
mudança que parece aterrorizante no início se transforma numa experiência de
entrega e amor que ele próprio não se julgava capaz. É nessa condição que o
livro se torna emocionante: homens amplificam o significado de suas vidas quando
deixam de amar à distância para mergulhar num convívio de absoluto envolvimento
e responsabilidade (que, não custa lembrar, também aterroriza mães de primeira
viagem, porém a elas nunca coube escolha).
A
boa notícia é que as mulheres não estão precisando sumir do mapa ou morrer para
que os homens assumam o compromisso de criar seus filhos: a sociedade atual vem
introduzindo naturalmente a divisão proporcional de papéis. E a notícia melhor
ainda: os homens estão gostando.
Sempre
se valorizou mais o Dia das Mães do que o Dia dos Pais, não pela intensidade do
amor de um e de outro, mas pela intensidade do comprometimento. Pois que a data
de hoje passe a ser tão celebrada quanto a de maio, e que os filhos dos novos
pais mantenham essa mesma dedicação quando chegar a vez deles.
Que
essa modernidade dure séculos - ou ao menos até a próxima revolução de costumes.
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