sábado, 9 de agosto de 2014


09 de agosto de 2014 | N° 17885
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

A VALORIZAÇÃO DA VIDA

Quantas pessoas você conhece que se dedicam a ajudar as pessoas sem receber nada por isso? Não se constranja de admitir se a resposta for nenhuma. Você está muito próximo da média, que é mesmo vizinha do zero. E se não bastasse a escassez, esses voluntários ainda têm a estranha tendência à discrição e ao anonimato.

Mas de qualquer modo sempre é gratificante descobrir que eles existem, e com frequência representam o último nicho de solidariedade para uma crescente legião de solitários e excluídos.

Um dos serviços mais antigos, o Centro de Valorização da Vida (CVV) chegou ao Brasil em 1962 e, oito anos depois, abria sua filial em Porto Alegre, a primeira fora de São Paulo. Em 1971, inaugurou o “corujão” para atendimento durante a madrugada, depois que se percebeu que as maiores depressões mal resistem à espera pelo novo amanhecer. No ano seguinte, com a ampliação do número de voluntários, foi possível implantar o atendimento 24 horas. E, desde então, eles estão lá, com a missão precípua de ouvir, um exercício de solidariedade que a civilização que se anuncia moderna só tem feito minguar.

Nenhuma dúvida de que este tipo de serviço é cada vez mais impulsionado pela solidão, essa doença que, por mais paradoxal que pareça, se generalizou apesar de os veículos de comunicação instantânea terem se popularizado. O curioso imprevisto é que todo mundo parece aberto à interação com seus semelhantes, desde que, naturalmente, não lhes peçam nada em troca.

O trabalho grandioso desse voluntariado não pode ser dimensionado pelos monitores habituais, exceto pela alegria renovada de cada um de seus membros quando, ao terminar uma conversa que pode durar horas, tem a impagável gratificação de que uma vida periclitante foi resgatada.

O nosso CVV completou recentemente 44 anos de atividade no RS. Foi emocionante encontrá-lo na praça da Redenção, com cerca de uma dúzia de voluntários, na comemoração do Dia do Abraço.

A prática do abraço público, iniciada há cerca de uma década, na Itália, se disseminou pelo mundo e conseguiu derrubar o formalismo japonês numa praça de Kyoto, e colocar um inusitado ar de afeto no povo amorfo de Toronto. Uma façanha!

Quem quiser entender por que aquele vídeo pioneiro já foi visitado por mais de 5 milhões de pessoas, entre no YouTube, digite “Free Hugs - Sondrio”, e descubra o feito de um casal jovem com um cartaz que oferece abraços gratuitos, e vai progressivamente minando a resistência dos rígidos e dos tímidos e deságua num turbilhão de abraços sacudidos, ao belíssimo compasso de Hallelujah.

A emoção quase incontrolável está lá, à sua espera e, à semelhança dos abraços, também é de graça.


a precípua missão de ouvir é um exercício de solidariedade que a civilização que se anuncia moderna só tem feito minguar

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