30
de agosto de 2014 | N° 17907
CLÁUDIA
LAITANO
Empatia e raiva
No
final da sua conferência no Fronteiras do Pensamento, o psicólogo canadense
Paul Bloom anunciou que seu próximo objeto de estudo é a empatia, surpreendendo
ao acrescentar: “Sou contra”. A plateia achou engraçado, mais ou menos como se
Bloom tivesse admitido que não se comove com fotos de bebês nem morre de fofura
com vídeos de gatinhos.
A
tese de Bloom é mais ou menos a seguinte. Se você valoriza a compaixão e a
bondade, esforça-se para fazer o que é certo e o que é justo e, na medida do
possível, gostaria de contribuir para que o mundo se tornasse um lugar melhor para
se viver, usar a empatia como bússola moral pode não ser a estratégia mais
adequada.
Ainda
que a empatia seja uma atitude em certa medida inata (outros primatas
demonstram ser muito parecidos conosco nesse ponto) e seus benefícios pareçam
óbvios, a capacidade de colocar-se no lugar dos outros nem sempre nos conduz
aos melhores julgamentos e às ações mais justas.
O
“bem”, argumenta Bloom, está mais relacionado à compaixão, ao autocontrole e ao
senso de justiça do que à empatia – enquanto o “mal” costuma decorrer da falta
de preocupação com os outros e da inabilidade para controlar impulsos.
Empatia
e raiva teriam, segundo o psicólogo, muitos traços em comum. Ambos são
sentimentos que emergem na infância e impactam a forma como nos relacionamos
uns com os outros. Decorrem de julgamentos morais e são necessários em alguma
medida – a raiva, por exemplo, pode nos mover a reagir quando presenciamos um
gesto de violência ou uma cena de injustiça.
Mas
assim como os pais deveriam ensinar as crianças em que momentos a raiva tem que
ser controlada e como temperá-la com o bom senso, também é preciso mostrar a
elas que nem sempre uma reação de empatia com alguém com quem nos identificamos
conduz à atitude mais justa. Às vezes, é preciso olhar os fatos com distanciamento
para saber o que é certo e para não agir de forma estritamente emocional ou
tendenciosa.
Considerar
raiva e empatia como os dois lados de uma mesma moeda é especialmente útil para
analisarmos algumas reações sanguíneas muito comuns no hiperconectado mundo em
que vivemos, principalmente nas redes sociais. Uma boa causa – digamos, ser
contra qualquer tipo de preconceito ou violência – pode rapidamente degenerar
em linchamento moral e agressão. Um exemplo banal: da indignação natural com
uma mulher que prendeu um gato em uma lata de lixo (vídeo que se tornou viral
há alguns anos), chegou-se, sem muito esforço, às ameaças de morte e ao
constrangimento físico.
Lembrei
disso lendo algumas manifestações mais violentas em relação à torcedora do
Grêmio flagrada em vídeo gritando “macaco”. Por mais que uma reação forte
contra o racismo seja necessária, dentro e fora dos estádios, é sempre perigoso
personalizar o problema.
Primeiro
porque demonizar uma pessoa por uma atitude coletiva não parece a melhor estratégia
para evitar que episódios como esse voltem a acontecer. Segundo porque ninguém
gostaria de viver em um mundo em que castigos como o linchamento moral – ou
coisa pior – são decididos passionalmente, por qualquer um que se deixa levar
pela raiva (do algoz) ou pela empatia (com a vítima).
Em
uma época em que sentimentos bons e ruins são compartilhados por milhares –
milhões – de pessoas ao mesmo tempo, mais do que nunca é preciso saber
distinguir emoção e razão, desejos de justiça e linchamento puro e simples.
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