sábado, 16 de agosto de 2014


16 de agosto de 2014 | N° 17892
PAULO SANT’ANA

O ofendículo

Zero Hora de quarta-feira publicou reportagem em que moradores de um edifício da Rua da República em Porto Alegre colocaram uma grade de ferro em toda a extensão da frente do prédio, na calçada, evitando assim que moradores de rua se instalem ali, lugar propício para se defenderem da chuva e do sol.

Alguns leitores sentiram-se revoltados, outros acharam errado simplesmente e muitos outros concordaram com a medida, taxando-a de legítima defesa.

Estou entre os que se revoltaram. Penso que a medida que deveria afastar os moradores de rua do local, que inclusive exalam mau cheiro ali, teria de ser tomada pela prefeitura e não dessa forma pelos moradores.

Existe no Código Civil a providência do chamado ofendículo, que é um obstáculo que um proprietário pode colocar em sua propriedade para afastar transeuntes dele ou não permitir que ingressem na propriedade.

Portanto, a lei autoriza que o proprietário instale engenho que proteja sua propriedade.

Vejamos os casos dos proprietários que eletrificam suas cercas de arame. A lei permite isso, mas é claro que não permite que a carga elétrica posta na cerca exceda os seus limites e os danos que provoca nos atingidos. Às vezes, até a morte.

Não é bem o caso desse edifício da Rua da República, mas serve genericamente como exemplo.

Ocorre que na Rua da República os moradores do edifício em questão colocaram uma grade extensa, em toda a calçada, de forma a não permitir que os moradores de rua se alojem no local.

E essa grade interrompeu de maneira total a calçada, portanto ferindo o Código de Posturas.

Ou seja, para sanar um mal, os moradores do edifício instalaram outro mal. A grade só foi removida na tarde de ontem.

Nesse caso, além de enfear a calçada, a grade impediu o livre passeio na calçada, esse último o detalhe contra o qual me volto.

Mas não existe melhor maneira de se julgar esse fato do que colocar-se no lugar dos moradores, que suportam mau cheiro e algazarra provocados pelos mendigos ou vagabundos à noite.

E, colocando-me no lugar deles, eu não faria o que fizeram com a grade. Eu intercederia até a exaustão junto aos fiscais municipais para que evitassem que os moradores de rua dormissem ali.

Sei, no entanto, que isso os moradores fizeram, mas não obtiveram êxito.

Penso que teriam de continuar a lutar por isso até a prefeitura resolver a questão.


Mas a cerca, por vários motivos, é condenável.

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