12
de agosto de 2014 | N° 17888
FABRÍCIO
CARPINEJAR
O que eu faço?
Depois
que virei palpiteiro amoroso, sou vítima dos esbarrões e dos conselhos a toda
hora. Por detrás de uma gentileza, pode vir um desabafo e aquela pergunta
constrangedora ao final:
– O
que eu faço? Estou temendo cumprimentar na rua. Saúdo com “tudo bem?”, e o
outro tem a audácia de replicar que não, emenda o que o vem afligindo e chora
em meus ombros. Sinto que meu terno é um lenço de papel gigante. Hoje me
escondo no costume de acenar com a cabeça e economizar entusiasmo.
Não
sou terapeuta, não sou conselheiro, sou um escritor que observa a vida com fome
e curiosidade e captura as contradições com facilidade. E só. Não tenho nenhum
poder sobrenatural.
Mas,
até me explicar, o desabafo já começou. Na dor, as pessoas falam rápido (a
alegria, por sua vez, não precisa de muitas palavras).
Recebi
uma carona na última semana. Era tarde, chovia, fazia frio, esperava um táxi
que não chegava numa rua deserta, uma simpática mulher encostou e perguntou
aonde ia.
–
Petrópolis! Ela sorriu: – Estou indo para lá, vem?
Entrei
no veículo, já arrependido. Como explicaria para minha esposa que tomei carona
com uma estranha? Preventivamente, liguei o GPS do meu celular na hipótese de
ela ser uma psicopata.
Ela
nem esperou que comentasse sobre o tempo pavoroso naquela noite em Porto
Alegre, desandou a narrar suas desventuras, o status nervoso de seu
relacionamento, detalhou conversas, especificou suas expectativas.
–
Sou casada há oito anos com um possessivo. “Não sou ciumento, sou possessivo”,
diz ele, crendo que é beeem melhor... Eu tenho de obedecê-lo, me adequar a suas
vontades e ser companheira com ZERO de reciprocidade!
Foi
quando o painel digital de seu carro passou a piscar: anomalia de combustível.
–
Visitar a minha família, frequentar a roda dos meus amigos, fazer os meus
programas, nunca, sempre a vontade dele... Acabei me afastando de muitas
pessoas queridas em função disso.
Foi
quando o painel digital de seu carro passou a piscar: anomalia de air bag.
–
Perdi minha essência, pois eu o sinto exatamente como um CHEFE! Inclusive eu
brinco que sou sua secretária de luxo, pois ele está sempre me solicitando
coisas.
Foi
quando o painel digital de seu carro passou a piscar: anomalia de poluição.
–
Ele não gosta de meu senso de humor, acaba incomodado por eu ser extrovertida e
expansiva, me poda o tempo inteiro, odeia chegar aos lugares e notar que eu
conheço metade do mundo e ele não. A impressão é que ele precisa me diminuir
para brilhar.
Ao
descer, ela me encarou, ansiosa:
– O
que eu faço? Só tive tempo de responder: – Troca de carro!
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