sexta-feira, 22 de agosto de 2014


22 de agosto de 2014 | N° 17899
MOISÉS MENDES

Heranças

Daqui a alguns dias, não se ouvirá mais nada a respeito de Renata de Andrade Lima Campos. Foi infrutífero o esforço dos que se empenharam em transformá-la na viúva que poderia herdar a missão política do marido.

Antes mesmo do velório, fomos distraídos com especulações em torno de uma idealização inspirada nos bons costumes das oligarquias. Se o líder morreu, alguém da família ou do seu entorno tem de assumir seu discurso e seus projetos.

O irmão é poeta, não tem vocação para a política. Os filhos são jovens demais. Que se investisse então na viúva.

Os fomentadores da ideia eram políticos do partido liderado por Eduardo Campos. É como se tentassem politizar uma personagem de Machado de Assis.

O que se ouvia, nas entrelinhas das especulações, era mais ou menos isso: esperem para ver do que essa viúva é capaz.

A mulher valente, que estava sempre ao lado do marido, que cuidava de cinco filhos e que ficou agora desamparada, poderia se erguer da tragédia, antes da missa de sétimo dia, como herdeira de uma missão cívica.

Passaram então a noticiar, por fontes encobertas, que Renata seria uma personagem só aparentemente vacilante de um conto machadiano. A viúva, diziam, era forte e determinada o suficiente para ser até a cabeça de chapa do PSB. Renata, e não Marina, seria a candidata a presidente.

O Brasil gosta de se divertir com os dramas argentinos, como se não fosse capaz de imitá-los. Os argentinos têm, com Isabelita e depois com Cristina, dois exemplos poderosos de mulheres que transformaram a viuvez em poder.

Renata, diziam, poderia até não ser candidata, mas iria definir quem deveria ser. A imagem da herdeira do acervo político do marido foi construída com esmero. A viúva era a guardiã não só da memória afetiva, mas também da memória política e dos projetos do falecido para o Brasil.

Não surpreende que, nesse Brasilzão apegado ao século 19, espólios políticos ainda sejam tratados como patrimônio familiar. Por mais que Renata tenha talento para a política e que seu nome pudesse representar uma alternativa viável eleitoralmente, pegou mal.

Não há mudernidade que resista à exploração política da viuvez.

Estou 10 anos mais moço e corado. Na terça-feira, conversei com alunos e professores dos cursos de Comunicação e Direito da Faculdade São Francisco de Assis (Unifin). Faço parte de um grupo de ZH que vem participando de encontros com os estudantes de Jornalismo do Estado, na programação dos 50 anos do jornal.

Fui à Faculdade preparado para apresentar meus argumentos a eventuais angustiados com o futuro do jornalismo. No fim, eles é que me aquietaram, num debate coordenado pela professora Andréia Castiglia Fernandes. Também tive ao meu lado a professora e colega de RBS Ivani Schutz. Que conversa boa.


Já se sabe que a notícia da morte do jornalismo teria de ser dada por um jornal, para que ninguém duvidasse. O último jornal daria a manchete e encerraria atividades. E alguém criaria então outro jornal para repercutir a morte do jornalismo. E surgiriam mais e mais jornais concorrentes, para apresentar todas as versões possíveis da morte e da ressurreição dos jornais. E assim seria até o fim dos tempos.

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