sexta-feira, 15 de agosto de 2014

JaimeCimenti

Questões conjugais além do óbvio

Felicidade conjugal (Bertrand Brasil, 318 páginas, tradução de Clóvis Marques), do escritor e poeta marroquino Tahar Bem Jelloun, nascido em Fez em 1944, de ascendência norte-africana, mas que sempre escreveu em francês, mostra uma vez mais o talento que já lhe valeu mais de 15 prêmios, entre eles o prestigiado Goncourt, um dos mais importantes da Europa.

Pela Bertrand, o autor já publicou, no Brasil, os romances Partir e O último amigo. Felicidade conjugal se inicia com o relato de um grande pintor que, no auge da fama e do dinheiro, sofre um AVC. Enquanto está aposentado por invalidez até uma eventual recuperação, ele vai contando sobre seu casamento e sobre sua vida. Um amigo toma nota das análises que o pintor faz de sua vida, de sua arte e de seu relacionamento conjuga.

Ele responsabiliza sua esposa pela crise que passa e vai enumerando os defeitos da companheira e os problemas da relação. O homem que amava demais as mulheres é o título de seu desabafo. Ele romantiza as pessoas e os acontecimentos, e os fatos se passam em Casablanca, Paris, Marrakech e Tânger. É como se ele pintasse um último quadro, com cores fortes.

Quando a esposa toma conhecimento do relato, resolve elaborar uma resposta, que intitula Minha versão dos fatos, resposta ao homem que amava demais as mulheres.

Ela é realista. Num determinado momento, altamente demolidora, ela faz uma lista de trinta manias, hábitos, características e coisas que detesta nele. Depois dos dois relatos, o leitor terá diante de si várias visões, opiniões e vai ver muito além do óbvio que existe nas questões conjugais.

O grande trunfo do livro é colocar nos relatos a verdade, a mentira e a dúvida, e mostrar que sempre há mais de uma opinião. Será que o pintor e sua esposa viveram na mesma casa, a mesma história, tiveram os mesmos filhos e realmente estiveram casados? O que acontecia por trás das aparências, das fachadas e do decoro? Será que existe certo ou errado numa instituição tida como inabalável como o casamento? E a felicidade conjugal, onde fica?


O romance traz os dois lados da moeda, as duas metades da maçã. A prosa profunda, clara e luminosa do autor mostra que os elogios da crítica e do público são merecidos.

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