17
de agosto de 2014 | N° 17893
MARTHA
MEDEIROS
O invariável
Outro dia escutei uma mulher separada decretar o fim
da mesmice: resolveu se esbaldar na vida. Disse ela que não queria mais saber
de relação fixa e que saía quase todas as noites a fim de se divertir apenas.
Tem conhecido muitos caras diferentes, com alguns chega às vias de fato, e é
isso aí, adeus à monotonia.
Mas
o olhar dela não soltava faíscas, ao contrário, parecia bem opaco.
Naquele
momento, lembrei uma frase do blog de um amigo paulista, o Eduardo Haak. Ele
recentemente escreveu: “Nada é mais invariável do que as supostas variedades”.
De primeira, quando li, me bateu uma estranheza, fiquei na dúvida se ele estava
sendo irônico ou o quê, até que, ouvindo a moça baladeira contar de seus
recordes de revezamento, me dei conta de que a situação dela era ilustrativa:
toda variação que se torna sistemática também é mais do mesmo.
Ou
seja, nada impede que a busca de um amor a cada sexta-feira se torne uma
situação igualmente sujeita ao tédio. Virar refém da variedade pode ser uma
atitude tão rotineira quanto dedicar-se a uma única pessoa por anos – arrisco
até dizer que, ao dedicar-se a uma única pessoa, a chance de se ter uma vida
mais dinâmica dispara.
Por
quantas fases passa uma relação? O frio na barriga inicial, a paixão febril, as
surpresas a cada nova revelação, as descobertas feitas a dois, a aproximação
dos corpos, a intimidade cada vez maior, os amigos e a família agregando-se,
cada viagem uma lua de mel, a troca de confidências, as diferenças aparecendo,
os acordos feitos para manter a coisa funcionando, ajustes necessários, a
paixão virando amor, a segurança da companhia um do outro, as fotografias se
acumulando, planos sendo feitos a longo prazo, a primeira briga, as saudades.
A consciência de que aquela pessoa é essencial, o reatamento, as juras, os
cuidados para que não desande nunca mais, todos os cinemas, cafés da manhã,
leituras compartilhadas, risadas, os comentários de fim de festa, as piadas
internas, a confiança, os cafunés, os pedidos de conselho, a hora de ser amigo,
a hora de ser bandido, o sexo evoluindo, o amor se fortalecendo, a passagem do
tempo trazendo novos desafios, o orgulho pelo que está sendo construído, os
estouros, os gritos, os beijos de novo... ufa, alguém aí me alcança um copo
d’água?
Amar
não é para amadores, e quando a relação é honesta, sólida e os protagonistas
têm algum tutano, duvido que o enfado dê as caras.
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