sábado, 2 de agosto de 2014


03 de agosto de 2014 | N° 17879
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

O prendedor de roupas e a Humanidade

Precisava de um prendedor de roupa. Aí é que está o encanto da vida: de repente, você precisa de um prendedor de roupa. Verdade que algumas pessoas jamais precisaram de um. Vai dizer que o Obama, a Gisele Bündchen ou o Brad alguma vez usaram prendedor de roupa... Não, não, prendedor de roupa é algo prosaico, só pessoas prosaicas como eu saem por aí atrás de prendedor de roupa.

Pois precisava de um. Aí surgiu a primeira dificuldade. Como é que se diz prendedor de roupa em inglês? Você está no supermercado, e não há internet no seu celular. Quer dizer: nada do amado Google Translate, e você não anda com dicionário no bolso. Com mil meias sujas, como é que se diz prendedor de roupa na língua de Shakespeare e Megan Fox??? Prendedor seria “catch”? Algo com “arrest”?

Saí vagando pelas prateleiras, olhando tudo que se assemelhasse com um pequeno e útil prendedor de roupa. Então me ocorreu que talvez não existissem prendedores de roupa nos Estados Unidos. Eles são tão tecnológicos, e prendedor de roupa é tão... simples... É, eles devem ter outra coisa, algum apetrecho de metal ou eletrônico ou algo que prenda a roupa pela internet. Até porque, na maioria dos apartamentos americanos, não há área de serviço.

É incrível. Aquela areazinha com tanque, onde as roupas são estendidas, sabe? Simplesmente não existe. Não há tanque de roupas nos apartamentos, há só uma lavanderia comunitária em algum andar, com uma secadora de roupas. Logo, talvez eles não usassem prendedor. Foi o que pensei.

Mas eles usam. Falei com a atendente do supermercado, usei mímica, tentei descrever o que queria, e ela, depois de prestar muita atenção, fez o rosto se iluminar com um sorriso de quem descobriu a verdade da vida:

– Ah! Clothespin! Clothespin. É claro.

A atendente me conduziu entre as prateleiras e, presto!, lá estavam eles, tão singelos, duas perninhas de madeira entalhada presas por um pedaço de arame do tamanho da unha do polegar. Iguais aos do Brasil, iguais aos que a minha vó usava, lá nos Navegantes, tantos anos e quilômetros atrás.

Fiquei olhando para aqueles prendedores: o mesmo desenho singelo, a mesma mecânica pueril e eficiente, perfeitos para segurar uma calça jeans no varal ou para fechar um saco de café aberto. Fiquei emocionado. Senti que a Humanidade é uma só, somos todos irmãos, dependentes de coisas triviais como o amor e prendedores de roupa, em toda parte, seja qual for o estágio de desenvolvimento do país.

Que grande invenção, o prendedor de roupa! Tão comum, tão óbvio e tão funcional. Levei vários para casa, comovido, convencido de que mesmo nós, os prosaicos, temos lugar no Primeiríssimo Mundo de meu Deus.

O ABAJUR VIVO

O que é a civilização americana! Outro dia, comprei um abajur. Na verdade, três abajures, que vieram dentro de uma caixa do tamanho de um micro-ondas, sendo um deles bem grande, da minha altura. Perguntei para o vendedor da loja se havia mesmo três abajures naquela caixinha.

Ele balançou a cabeça. Claro que tinha, é que eles vinham desmontados...

Assustei-me. Desmontados? Quem é que os montaria para mim? O vendedor riu:

– Qualquer um monta isso, my friend.

Qualquer um... O caso é que sou pior do que qualquer um. Sou péssimo para tarefas manuais. Mal e mal enfio o cadarço no sapato. Mas precisava daqueles abajures. Pelo seguinte: na Nova Inglaterra, as salas e os quartos dos apartamentos não têm luz no teto. A iluminação é indireta. Então, fui para casa com os abajures.

Cheguei. Abri a caixa. E, por Deus, o abajur quase que se montou sozinho. O troço foi se encaixando, se encaixando, se encaixando como se tivesse vida própria, até que, pluf, acendeu-se, ereto e glorioso. Meu trabalho foi só dar uma enroscadinha nos canos.

Montei três abajures com minhas próprias mãos. Nem acredito. Só mesmo graças à engenhosidade americana.

À PROVA DE BURRICE

Ocorre que aqui as pessoas têm de fazer tudo com as próprias mãos. Tudo, de lavar a roupa a pintar a casa. Porque os Estados Unidos são uma imensa classe média. Classe média mesmo, não essa que inventaram agora no Brasil, que ganha 300 reais por mês.


Claro que há ricos e pobres, em todo lugar há, só que a massa da população americana recebe um salário razoável. Um policial, por exemplo, ganha cerca de 60 mil dólares por ano, 5 mil mensais. Bom salário. Mas não o suficiente para pagar uma doméstica, que lhe arrancaria metade do ganho. Assim, ele é quem lava louça e limpa banheiro. E monta abajures. Por isso, as coisas têm de ser engenhosas. Há muitos inúteis como eu que precisam de utensílios à prova de imbecilidade.

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