terça-feira, 26 de agosto de 2014


26 de agosto de 2014 | N° 17903
LUÍS AUGUSTO FISCHER

DOIS TIPOS DAQUI

Estrangeiro e metido a observar, já viu: fico tentando identificar quem são e como agem os tipos humanos de Paris. O resultado até aqui foi fraco: tirando uns ensaios que venho anotando, para posterior relato, apenas dois eu garanto que existem mesmo.

O primeiro tipo tem seu habitat no metrô: é o sujeito que viaja sem se segurar. Sério. Vi hoje mesmo um sujeito de seus 60 anos, aspecto quase de mendigo (por sinal, carregava uma mala que bem podia ser sua casa, ou a totalidade de seus bens), não apenas fazendo pouco do balanço do trem como preenchendo umas palavras cruzadas de jornal, o papel dobradinho diante dos olhos, caneta na outra mão. Um primor de equilíbrio, mas também de savoir-faire, como se diz na língua local.

Falando nisso, uma estatística de improviso: menos de 5% dos passageiros de metrô leem livros ou revistas na viagem, contra uns 15, talvez 20 ou mesmo 25% que furungam no celular. Espichando o olho, já vi gente fazendo conta na calculadora (turista, claro), gente brincando num daqueles jogos de continhas que caem, gente falando ou teclando mensagens – dá a impressão de que as linhas funcionam bem mesmo debaixo da terra.

O segundo tipo vive nas ruas e praças: é o guri que espanta pombas. Para sua existência, naturalmente é essencial que haja pombas, e elas, vou-te contar, existem aos milhões. É um bicho que nunca me fez mal diretamente, nem sei se faz a alguém (tem um lance de transmitir doenças, ao menos na capital gaúcha, não é?), mas o monopólio me chateia um pouco.

Li ainda ontem no Facebook – putz, como é bom existir o Facebook, vivendo longe dos amigos e da paisagem conhecida e podendo narrar o que se vive aqui e ler o que se passa aí! – que os sabiás já andam infernizando a madrugada dos porto-alegrenses e gaúchos em geral, como fazem na entrada da primavera, que vem vindo aí. Saudade deles.


Li alguma vez que, quando o prefeito Pereira Passos, do Rio de Janeiro, resolveu imitar Paris na grande reforma urbana que fez, no comecinho do século 20, ele importou também pardais, para rimar com o novo aspecto da cidade. Os pardais eram, seriam, pássaros-símbolo da capital francesa. Se alguma vez o foram, cá estou eu a alterar a informação, porque o que há aqui, em matéria de animais de duas asas, é a pomba. E dê-lhe os guris a chateá-las.

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