16
de agosto de 2014 | N° 17892
CLÁUDIA
LAITANO
Guerreiros
Cena
1: Domingo, 10 de agosto, Beira-Rio, Gre-Nal. Um grupo de torcedores do Grêmio
puxa um grito de guerra macabro, espantoso até mesmo para os padrões de violência
verbal tolerados no futebol. Os dois filhos menores de Fernandão estão no estádio.
É o primeiro Dia dos Pais depois do acidente que matou o jogador.
Cena
2: Terça-feira, 12 de agosto. Fãs do mundo inteiro recebem a notícia de que o
ator Robin Williams tirou a própria vida. “Carpe diem”, dizia um de seus
personagens mais memoráveis, “aproveite o dia”, e para a maioria de nós é difícil
aceitar que um ator tão inspirador e cheio de energia em cena pudesse,
privadamente, estar lutando contra a depressão. Na madrugada de quarta-feira,
sua filha Zelda deleta todas as suas contas em redes sociais. Ela havia
recebido imagens manipuladas que simulavam o estado em que o corpo de Robin
Williams foi encontrado pela polícia.
Cena
3: Quarta-feira, 13 de agosto, início da tarde. A morte do candidato Eduardo
Campos em um acidente aéreo, em Santos, é confirmada. Humor negro, ofensas,
bizarras teorias conspiratórias e pueris charadas com o número 13 tomam conta
da rede antes mesmo de se entender o que tinha acontecido e quem mais estava no
avião. Em Recife, os filhos adolescentes do ex-governador comunicam-se com os
amigos por meio dos seus smartphones. O inominável está a um clique de distância.
Cena
4: Quinta-feira, 14 de agosto, Zero Hora, página 36. Reportagem da jornalista
Larissa Roso apresenta aos adultos o aplicativo Secret, que se tornou popular
entre os adolescentes nas últimas semanas. Criado originalmente para que os usuários
trocassem segredos sem se identificar, o aplicativo está sendo usado como
ferramenta de bullying. Colegas expõem e humilham outros colegas, pública e
anonimamente, espalhando medo e ansiedade nas escolas.
Não
acredito que a humanidade melhore ou piore com o tempo. Na média, não somos
mais sensatos que os nossos netos nem mais cruéis que os nossos avós. O que
existe são ambientes e circunstâncias que nos inclinam a obedecer ao lado mais
irracional e egoísta da nossa natureza – seja pela sensação de impunidade, seja
porque nos sentimos de alguma forma ameaçados pelo outro.
Na
arquibancada, protegido pelo anonimato, é possível que um torcedor pense e aja
como um animal numa manada – bovinamente cruel. O diálogo nas redes sociais, anônimo
ou não, também favorece essa desumanização. Quando o outro é visto como inimigo
ou como um ser abstrato, sem identidade ou sentimento, é fácil comportar-se
como um humanoide na selva disputando o lugar mais alto na árvore ou o último
naco de carniça.
Não
sou pessimista. Não acho que estamos marchando para o colapso da civilização,
mas cada vez mais acredito que a razão, a tolerância, a empatia, a
generosidade, a humanidade não precisam apenas de defensores ou simpatizantes. A
civilização, mais do que nunca, precisa de guerreiros.
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