31
de agosto de 2014 | N° 17908
CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
O MAC MACIO, O JAZZ LEVE E O RAP
DURO
Bateu-me
uma saudade trepidante do sabor da comida brasileira, então peguei o B pela
mão, tomamos um trem e fomos ao McDonald’s mais próximo.
Ah,
a textura macia daquele Big Mac fez com que me sentisse de novo na pátria amada
idolatrada salve salve. Sim, porque comer McDonald’s, só no Brasil. Aqui, você
não vai acreditar, mas é verdade, aqui é difícil de encontrar um. Por Deus.
Você tem de se programar: vou lá num McDonald’s. E, como não sou muito de
sanduíche e menos ainda de lanchonetes, jamais vou a um McDonald’s.
Nos
Estados Unidos, imagine.
Nunca
pensei.
O
que tem, quase que em cada esquina, é Dunkin’ Donuts, que é empresa daqui, do
nordeste americano, e seu furioso concorrente, o Starbucks. Li esses dias que o
Dunkin’ Donuts está tentando abrir filiais na Califórnia, onde reina absoluto o
Starbucks. Quer dizer: vão brigar no país inteiro. Na Nova Inglaterra, já é
raro caminhar duas ou três quadras sem pechar num Dunkin’ Donuts, tendo em
frente um Starbucks a desafiá-lo. De manhã cedo, você pode ver uma fila de
americanos no Dunkin’. Eles pegam um donuts, um copo gigante de café e saem
caminhando e comendo.
O B
está viciado em Donuts. Preocupante.
Mas
comemos os nossos muito mais saudáveis e brasileiríssimos Macs e tocamos até o
centro de Boston. Eu queria ir a uma igreja do século 17, a Old South Church, porque lá há um
exemplar do primeiro livro impresso nos Estados Unidos, um livro de salmos que
os puritanos traduziram diretamente do hebraico e publicaram em Cambridge em
1640. Cambridge é uma das localidades da Grande Boston. É onde fica a maior
parte do campus da Harvard e, igualmente importante, onde há bons restaurantes
portugueses, que os prefiro às lanchonetes.
A
Old South Church foi plantada bem no coração pulsante de Boston. Entrei na
igreja e, antes de perguntar pelo livro, fui atraído por algo que acontecia
numa capela: um culto com jazz. Era um grupo de jazz com todos os instrumentos,
piano, bateria e tudo mais, e cantores que enchiam a capela com sua voz. Eu e o
B paramos para ver. Um sujeito nos apontou gentilmente para duas cadeiras
vazias, mas preferimos permanecer de pé, ouvindo. E foi encantador. Por pouco
não me torno membro da congregação.
Saímos
da igreja enlevados, flutuando, até esqueci do livro. Então, percebi que, do
outro lado da avenida, na praça, havia um show.
–
Vamos lá, B?
Fomos.
Atravessamos a rua. Em volta da praça, barraquinhas vendiam comida, havia
inclusive uma do Dunkin’ Donuts, o que não me surpreendeu. No centro, na grama,
as pessoas se espalhavam, muito descontraídas, as mulheres com shorts mínimos,
algumas deitadas em toalhas, outras de pé, ondulando ao ritmo da música. Lá na
frente, diante de um palco, um grande grupo pulava de braços erguidos. Sobre o
palco, uma banda tocava rap. Levei o B pela mão até o meio da praça. Ficamos
observando. Olhei para ele:
–
Que tal, B?
Ele
fez uma cara de quem engoliu o dente de leite e suspirou:
– É
a pior música que já ouvi na minha vida.
Pisquei.
Pensei por um momento. E tirei-o de lá, procurando por um bar que tocasse
blues. Nada como o bom blues para comover crianças na primeira infância.
A
LIBERDADE DOS GANSOS
Chegamos,
eu e o B, a um parque cheio de gansos. Ou seriam patos? Não sou bom em aves.
Invejo aquelas pessoas que, ao ouvir um piado, esticam a orelha e dizem:
–
Que lindo o canto do curió...
Os
passarinhos que consigo identificar são o pardal, o quero-quero, o tucano e o
canarinho – fui dono de alguns canarinhos de lindo repertório. O papagaio
também sei quem é, embora ele seja muito parecido com as araras várias. Minha
avó criou galinha, peru e eu mesmo tive um galo, o Alfredo, de trágico fim. Mas
confesso, cheio de vergonha, que confundo patos e gansos. Não deveria. Os
gansos têm sua importância na história da Humanidade, os que moravam no
Capitólio já salvaram Roma dos bárbaros. E os patos estão na minha memória
afetiva: o Tio Patinhas, o Donald, o Peninha, o Patacôncio...
Então,
deveria saber bem quem é um e quem é outro, e não sei. De qualquer forma, o que
interessa é que aquele parque é habitado por dezenas de gansos (ou patos), que
andam livres por lá. Dezenas! Ficam caminhando pela grama, soltos, podendo a
todo instante cruzar a avenida movimentada. Perguntei a um americano quem cuida
deles. O americano achou graça na minha pergunta. Eles cuidam de si próprios,
respondeu.
Não
sabia que gansos podiam usufruir de tanta independência, assim, no meio da urbe
fremente, sem colocar em risco sua integridade física ou atacar transeuntes a
bicadas. Estou mais acostumado a vê-los a certa distância, nadando nos
laguinhos plácidos, como os de Gramado.
Ou
aqueles lá são cisnes? Maldita ignorância aviária.
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