17
de agosto de 2014 | N° 17893
L.
F. VERISSIMO
Coincidências
Coincidências
são apenas coincidências, mas são elas que alimentam as crenças e os mitos. O
fato da morte do Eduardo Campos acontecer na mesma data em que morreu seu avô e
mentor político, Miguel Arraes, significa nada, mas acrescenta uma pungência a
mais à tragédia.
Com
outra cara e outro estilo, Eduardo Campos continuou a legenda de Arraes, cuja
popularidade e coerência ideológica se mantiveram as mesmas através dos tempos
– e que tempos. Talvez, dos políticos da sua geração, só o Brizola rivalizasse
com Arraes em ternos de carisma ininterrupto, fosse no poder ou no exílio,
perto ou longe do seu eleitorado.
Eduardo
Campos era o político mais querido da sua terra desde Arraes. Isto apesar de,
com sua simpatia e facilidade de expressão, ser quase um anti-Arraes, de quem
se dizia que mantinha seu prestígio porque ninguém entendia o que ele falava,
dada a sua péssima dicção. Morrendo no mesmo 13 de agosto, Eduardo Campos se
incorporou, eternamente, na legenda do avô.
A
coincidência de Eduardo Campos morrer quase que simultaneamente com os atores
Robin Williams e Lauren Bacall também não significa nada – salvo uma
oportunidade de se refletir sobre a versatilidade da morte, e as suas muitas
razões. Eduardo Campos morreu por acidente, Robin Williams por depressão, e
Lauren Bacall por velhice. Só o que une as suas mortes é que os três eram
conhecidos, e seus necrológios ocuparam os noticiários com poucos dias de
diferença.
A
morte não discrimina: cada um morreu de um jeito. Eduardo Campos e Robin
Williams tiveram mortes dramáticas, Lauren Bacall teve o que se chama de “morte
natural”, o que quer dizer uma morte sem surpresa. Uma morte camarada. Toda
morte é incompreensível, mas algumas são mais canalhas do que as outras.
É
difícil imaginar o Robin Williams depressivo, quanto mais se matando. Ele era
um grande ator e um grande comediante, que nem sempre são a mesma coisa. Fez
alguns filmes memoráveis, mas a melhor maneira de vê-lo era em programas de
entrevista, onde, longe de qualquer script, improvisava com um brilhantismo
meio demente.
Quando
não estava sendo ele mesmo, o que já era engraçado, inventava tipos na hora,
produtos de uma mente borbulhante que nunca parava de criar. Teve problemas com
drogas e bebida, mas o que finalmente derrotou a sua mente hiperativa foi a
depressão, que é quando a vida perde toda a graça. Robin Williams enforcou-se.
Escolheu a morte de um condenado, julgado por ele mesmo.
O
primeiro filme da Lauren Bacall, Uma Aventura na Martinica, foi com o Humphrey
Bogart. Ela tinha 19 anos, um olhar velado e meio irônico e uma voz de levar
pra cama. Levou o Bogart, que não a largou mais. Os dois se casaram. Depois de
ficar viúva duas vezes e envelhecer, ela continuou a fazer filmes,
esporadicamente, substituindo a sensualidade dos 19 anos por uma elegância
matronal, mas mantendo o olhar irônico e a voz. Uma frase do seu primeiro filme
ficou célebre. Ela para Bogart: “Quando você me quiser, apenas assovie”. É bom
pensar que a última coisa que ela ouviu antes da sua morte tranquila foi o
assovio do Bogart, chamando.
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