sábado, 16 de agosto de 2014


17 de agosto de 2014 | N° 17893
L. F. VERISSIMO

Coincidências

Coincidências são apenas coincidências, mas são elas que alimentam as crenças e os mitos. O fato da morte do Eduardo Campos acontecer na mesma data em que morreu seu avô e mentor político, Miguel Arraes, significa nada, mas acrescenta uma pungência a mais à tragédia.

Com outra cara e outro estilo, Eduardo Campos continuou a legenda de Arraes, cuja popularidade e coerência ideológica se mantiveram as mesmas através dos tempos – e que tempos. Talvez, dos políticos da sua geração, só o Brizola rivalizasse com Arraes em ternos de carisma ininterrupto, fosse no poder ou no exílio, perto ou longe do seu eleitorado.

Eduardo Campos era o político mais querido da sua terra desde Arraes. Isto apesar de, com sua simpatia e facilidade de expressão, ser quase um anti-Arraes, de quem se dizia que mantinha seu prestígio porque ninguém entendia o que ele falava, dada a sua péssima dicção. Morrendo no mesmo 13 de agosto, Eduardo Campos se incorporou, eternamente, na legenda do avô.

A coincidência de Eduardo Campos morrer quase que simultaneamente com os atores Robin Williams e Lauren Bacall também não significa nada – salvo uma oportunidade de se refletir sobre a versatilidade da morte, e as suas muitas razões. Eduardo Campos morreu por acidente, Robin Williams por depressão, e Lauren Bacall por velhice. Só o que une as suas mortes é que os três eram conhecidos, e seus necrológios ocuparam os noticiários com poucos dias de diferença.

A morte não discrimina: cada um morreu de um jeito. Eduardo Campos e Robin Williams tiveram mortes dramáticas, Lauren Bacall teve o que se chama de “morte natural”, o que quer dizer uma morte sem surpresa. Uma morte camarada. Toda morte é incompreensível, mas algumas são mais canalhas do que as outras.

É difícil imaginar o Robin Williams depressivo, quanto mais se matando. Ele era um grande ator e um grande comediante, que nem sempre são a mesma coisa. Fez alguns filmes memoráveis, mas a melhor maneira de vê-lo era em programas de entrevista, onde, longe de qualquer script, improvisava com um brilhantismo meio demente.

Quando não estava sendo ele mesmo, o que já era engraçado, inventava tipos na hora, produtos de uma mente borbulhante que nunca parava de criar. Teve problemas com drogas e bebida, mas o que finalmente derrotou a sua mente hiperativa foi a depressão, que é quando a vida perde toda a graça. Robin Williams enforcou-se. Escolheu a morte de um condenado, julgado por ele mesmo.

O primeiro filme da Lauren Bacall, Uma Aventura na Martinica, foi com o Humphrey Bogart. Ela tinha 19 anos, um olhar velado e meio irônico e uma voz de levar pra cama. Levou o Bogart, que não a largou mais. Os dois se casaram. Depois de ficar viúva duas vezes e envelhecer, ela continuou a fazer filmes, esporadicamente, substituindo a sensualidade dos 19 anos por uma elegância matronal, mas mantendo o olhar irônico e a voz. Uma frase do seu primeiro filme ficou célebre. Ela para Bogart: “Quando você me quiser, apenas assovie”. É bom pensar que a última coisa que ela ouviu antes da sua morte tranquila foi o assovio do Bogart, chamando.


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