21
de agosto de 2014 | N° 17898
PAULO
SANT’ANA
Jornalista torturada
Fixo-me
no relato da colunista de O Globo Míriam Leitão, que está sendo encaminhado à Comissão
da Verdade, que recorda os horrores do regime de 64. É um horror e merece ser
relembrado para que nunca mais o Brasil depare com outra ditadura:
“A
viatura entrou no pátio do quartel, que era um batalhão de Infantaria. Nos
levaram por um corredor e nos separaram. Marcelo foi viver seu inferno, que
durou 13 meses, e eu o meu. Sobre mim jogaram cães pastores babando de raiva. Eles
ficavam ainda mais enfurecidos quando os soldados gritavam: ‘Terrorista,
terrorista!’. Pareciam treinados para ficar mais bravos quando eram incitados
pela palavra maldita.
O
comandante do batalhão era o coronel Sequeira [tenente-coronel Geraldo Cândido
Sequeira, que exerceu o comando do 38º BI entre 10 de março de 1971 e 13 de março
de 1973], que fingia que mandava, mas não via nada do que acontecia por lá. O
homem que de fato mandava naquele lugar, naquele tempo, era o capitão
Guilherme, o único nome que se conhecia dele. Ele era o chefe do S-2, o setor
de inteligência do batalhão. Todos os interrogatórios e torturas estavam sob a
coordenação dele. Ele pessoalmente nada fazia, mas a ele tudo era comunicado. Nesse
primeiro dia, me deu um bofetão só porque eu o encarei.
– Nunca
mais me olhe assim! – avisou”.
Continua
Míriam Leitão: “Fui levada para uma grande sala vazia, sem móveis, com as
janelas cobertas por um plástico preto. Com a luz acesa na sala, vi um pequeno
palco elevado, onde me colocaram de pé e me mandaram não recostar na parede. Chegaram
três homens à paisana, um com muito cabelo, preto e liso, um outro ruivo e um
descendente de japonês. Mandaram eu tirar a roupa. Uma peça a cada cinco
minutos. Tirei o chinelo. O de cabelo preto me bateu:
– A
roupa! Tire toda a roupa.
Fui
tirando, constrangida, cada peça. Quando estava nua, eles mandaram entrar uns 10
soldados na sala. Eu tentava esconder minha nudez com as mãos. O homem de
cabelo preto falou:
– Posso
dizer a todos eles para irem para cima de você, menina. E aqui não tem volta. Quando
começamos, vamos até o fim.
Os
soldados ficaram me olhando e os três homens à paisana gritavam, ameaçando me
atacar, um clima de estupro iminente. O tempo nessas horas é relativo, não sei
quanto tempo durou essa primeira ameaça. Viriam outras.
Eles
saíram e o homem de cabelo preto, que alguém chamou de Dr. Pablo, voltou
trazendo uma cobra grande, assustadora, que ele botou no chão da sala, e antes
que eu a visse direito apagaram a luz, saíram e me deixaram ali, sozinha com a
cobra. Eu não conseguia ver nada, estava tudo escuro, mas sabia que a cobra
estava lá.
A única
coisa que lembrei naquele momento de pavor é que cobra é atraída pelo movimento.
Então, fiquei estática, silenciosa, mal respirando, tremendo. Era dezembro, um
verão quente em Vitória, mas eu tremia toda. Não era de frio. Era um tremor que
vem de dentro. Ainda agora, quando falo nisso, o tremor volta”.
Na
próxima coluna, transcreverei o restante da nossa colega aqui neste espaço.
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