RUTH
DE AQUINO - 15/08/2014 21h38
Quem tem medo de Marina?
Viúva
política de Eduardo Campos, a coerência dela assusta a quase todos. Não é normal
no Brasil
Os
olhos de Marina Silva falaram muito na semana passada. Sombrios, avermelhados,
estavam ora cabisbaixos, ora elevados ao céu em conversa particular com seus
santos. Nenhuma maquiagem. Acima dos olhos, as sobrancelhas espessas, sem
depilação. Abaixo dos olhos, as olheiras escuras, sem disfarce.
O
coque, a echarpe preta, a austeridade, sem choro ou afobações. Maria Osmarina
Marina Silva Vaz de Lima, nascida no Acre em fevereiro de 1958, filha de
seringueiros migrantes cearenses, contaminada por mercúrio aos 6 anos,
analfabeta até os 16, aluna do Mobral, ex-empregada doméstica, formada em história,
sobrevivente de malárias, hepatites e uma leishmaniose, continua a mesma. É evangélica,
sempre se despede com um “vá com Deus”, mas não busca abertamente o voto dos
crentes. Essa coerência assusta a quase todos. Não é normal no Brasil.
Marina
é a viúva política de Eduardo Campos, queiram ou não. Talvez nunca um candidato
tenha citado tanto seu vice. Ela passou dez meses ao lado de Campos, calada em
público mesmo quando divergia. Era curioso o contraste físico e de
personalidades. Campos esfuziante, forte, com o sorriso aberto e o brilho dos
olhos azuis. Marina morena, magra, séria, sóbria e discreta. Agora, terá de
falar – e muito. O que manteve Marina silenciosa nos dias após a tragédia foi
um misto de luto, elegância e prudência.
Há raposas
em todos os partidos – no PT, no PSDB e também no PSB – em busca dos destroços
e holofotes. Querem decifrar a caixa-preta dos eleitores órfãos e herdar os
votos da terceira via. A família de Campos, em meio a lágrimas e ao sofrimento,
foi a primeira a legitimar Marina como herdeira natural do slogan da “coragem” para
mudar o país. “Não vamos desistir do Brasil”, disse Campos. A ex-senadora Marina
é a herdeira do “voto-comoção”. Todos os obituários de Campos a fortalecem,
porque compartilhavam valores e a dissidência do petismo.
“Se
tenho um exemplo a dar com minha trajetória, é o da coragem, que não é a da força
bruta, mas de saber manejar sonhos e catalisar energia”, disse Marina. A
declaração poderia ter sido feita na semana passada. Foi há mais de dez anos,
quando era ministra do Meio Ambiente de Lula.
Essa
falta de medo está tatuada na pele de Marina. Em 1988, quando assumiu a CUT e a
política do Acre depois de Chico Mendes ser assassinado, afirmou que não sofria
ameaças: “Um corpo frágil não assusta ninguém”.
Quando
José Dirceu, já ex-ministro, escreveu que o mandato de Marina pertencia ao PT,
ela reagiu dizendo que já havia enfrentado madeireiros, fazendeiros,
cangaceiros: “Com certeza, o Zé não fez isso para me intimidar; não faz parte
do caráter dele”.
Há cinco
anos, em agosto de 2009, depois de engolir muito sapo, Marina trocou o PT pelo
PV para se candidatar à Presidência. Era pelo verde, pelo social e por muito
mais que saía de perto de Lula e da mãe do PAC, Dilma Rousseff. Colheu quase 20
milhões de votos, deixou o PV após a eleição de 2010 e tentou, no ano passado,
abrir um novo partido, Rede Sustentabilidade. Nome péssimo para o marketing político
– mas, de novo, coerente. Não é uma sigla vazia.
Sem
o limite mínimo de assinaturas válidas, Marina ignorou os companheiros xiitas e
pendurou sua Rede no PSB de Eduardo Campos em outubro de 2013. Foi uma jogada
de xadrez do tipo “vocês terão de me engolir”. Ela não podia imaginar o que o
tabuleiro político lhe reservava ainda nesta eleição. Na fumaça da tragédia, em
suas orações diárias, a Marina fundamentalista precisa pedir três coisas: sabedoria,
sabedoria, sabedoria.
Uma
vez, Marina escreveu um artigo para a imprensa chamado “O improvável e o
imprevisível”. Um título quase premonitório. Foi seis anos atrás, ela ainda
estava no PT. Citava várias vezes a filósofa alemã Hannah Arendt para criticar
a arrogância dos partidos, que se consideram donos da energia política da
sociedade. Eis um trecho, editado:
“O
sentido da política é a liberdade. Os cidadãos e cidadãs estão criando uma política
livre, viva, na academia, nos movimentos culturais, no consumo consciente, na
internet, nas empresas, nas ONGs, nas igrejas. O grande desafio da democracia é
criar espaços múltiplos de participação política, nos quais os partidos sejam
parceiros e não guias. Os homens, enquanto puderem agir, são aptos a realizar o
improvável e o imprevisível. É o que a sociedade brasileira está fazendo. E os
partidos ainda não se tocaram”.
Marina
escreveu isso em 2008. Seu pescoço projeta veias caudalosas. Sua voz é arranhada.
Rugas estão intactas. Não parece se curvar facilmente a nenhum “media training”.
Por que será mesmo que tem tanta gente com medo dela?
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