Arquivo Aberto - Ode ao
pai
Caxias
do Sul, 1974 - TITE
10/08/2014 02h39
Minha
formação como homem sempre foi moldada dentro do futebol. Desde criança, as
referências que tive em relação a valores, comportamento, retidão foram de meu
pai, através de vivências que tive dentro das quatro linhas do gramado junto
dele ou observando-o agir.
Meu
pai, Genor Bachi, era um descendente de italiano apaixonado por futebol e
técnico de times do interior do Rio Grande do Sul. Sempre tive nele meu grande
exemplo. Óbvio que ele tinha defeitos, e faço aqui este registro por um senso
de justiça, porque se fosse apenas ouvir meu amor de filho, só enalteceria suas
virtudes. Minha mãe, Ivone Bachi, hoje com 78 anos, era o outro pilar da casa
e, junto com ele, criou três filhos.
Arquivo
Pessoal
Tite
(1º da esq. para a dir. em pé) e seu pai (penúltimo, de bigode) no Juvenil de
São Braz nos anos 70
Foi
meu pai quem me levou pela primeira vez para assistir a uma partida de futebol,
no estádio do Juventude, de Caxias do Sul, time do coração dele. O jogo era à
noite: os refletores, a energia do estádio, os atletas, aquilo para mim foi o
máximo. Foi ele, técnico do time Juvenil de São Braz, quem me deu, aos 13 anos,
muito mais novo que os guris que jogavam, a primeira oportunidade de estrear em
uma partida de futebol, no segundo quadro do time.
Foram
cinco minutos apenas dentro de campo usando a camiseta do time, que parecia uma
grande saia que ia até os joelhos. Aqueles minutos representaram para mim a
entrada na vida da competição, da entrega, da busca pelo melhor desempenho.
Estava subentendida a mensagem do pai: "Vai, filho, te apresento à vida
real, ao que tu gostas de fazer".
Ele
sempre teve um senso de justiça e igualdade muito presente. Quando um jogo na
cidade podia ter problemas de disciplina, chamavam meu pai para árbitro. Trago
isso como pilar da minha formação: não vencer a qualquer custo, e sim vencer
sendo melhor que os outros.
Certa
vez, já com 16 anos, eu jogava uma partida contra um time adversário muito
violento, que distribuía pontapés. Sofri uma falta pesada e fui ao chão cheio
de dores e de lá percebi um silêncio daqueles que não se costuma presenciar em
campos de futebol. Era meu pai, entrando no campo e dizendo para os jogadores
do outro time: "Se continuar batendo no guri, vou entrar e bater em
ti".
Eu o
observava muito e tinha nele um parâmetro na vida. A ponto de, já com 18 anos,
como jogador profissional do Caxias, procurá-lo nas arquibancadas sempre antes
de começar um treinamento. Ele nunca me falava que ia, mas eu sabia que ele
estava lá, num local discreto, para me acompanhar.
Meu
pai passou a me ver como adulto no dia em que, nós dois sozinhos, sem ninguém
por perto, ele me ofereceu um copo de cerveja. Na minha cabeça, era a passagem
do Adenor criança à fase adulta.
Virei
jogador profissional, encerrei precocemente a carreira aos 27 e tornei-me
treinador, igual ao pai. Sempre que podia eu voltava para casa para recarregar
minhas baterias, e ele demonstrava seu carinho me recebendo e preparando um
churrasco, costela de preferência, ou perdiz com polenta. Durante as refeições,
o conselho: "Coloca os jovens para jogar". Assim como ele me colocou,
aos 13 anos.
Quando
foi internado, eu ia visitá-lo. Após certo tempo, ele me olhava e dizia que
estava bom, que eu deveria retornar ao trabalho para cuidar dos treinamentos.
Senso de responsabilidade. Meu pai faleceu tempos depois, mas o carrego comigo
sempre. Nas atitudes, nos exemplos. Só tive coragem de dizer que o amava e de
lhe beijar o rosto já com mais de 30 anos. Mas o fiz.
Minha
primeira reação quando conquistei o Campeonato Brasileiro de 2011 pelo
Corinthians foi olhar para o céu e oferecer o título a ele, que me ensinou o
caminho do merecimento. Assim como, por gratidão a tudo que ele me fez, pela
certeza do legado da educação que me deu, faço questão de dizer: "Pai, os
títulos que conquistei são antes teus. Obrigado!".
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