sábado, 23 de agosto de 2014


24 de agosto de 2014 | N° 17901
FABRÍCIO CARPINEJAR

O dia seguinte hoje

Ao fazer festa em casa, do que mais gosto é a bagunça.

Não da festa em si, mas daquilo que precisarei arrumar no dia seguinte.

Sou vidrado pela ideia de reconstrução de um ambiente em algumas horas.

Tudo repentinamente fora do lugar, sujo, imundo, e há o desafio de reencontrar a ordem natural das coisas.

É uma recriação do mundo num final de semana.

O corredor beira o estado de sítio, o banheiro sofreu com o desespero dos boêmios, as estantes dos livros estão cheias de bandejinhas de salgados. Nem espero o dia seguinte.

Nada mais íntimo dentro de um casamento do que o silêncio das 6h. Todos já foram embora, felizes com a balbúrdia, e nós dois decidimos ajeitar o lar enfrentando o cansaço.

O previsível era deitar com a roupa do corpo e desmaiar, desprezando os escombros e a vida virada pelo avesso. Mas não, eu e minha mulher adoramos o pós-festa, quando estamos sozinhos.

Reina uma sensação de paz, de sobrevivência. A faxina é partilhar a memória do encontro. Melhor do que roda de violão.

A faxina é fixar as lembranças antes que sejam corrompidas pela enxaqueca do meio-dia. Ela segura o lixo de 100 litros e eu vou buscando as garrafas de cerveja espalhadas pelos cantos.

Vamos conversando sobre as cenas mais engraçadas da festa, o comportamento dos amigos, as coreografias das músicas ridículas.

Cada um repassa o que viu e o que conversou. Como anfitriões, tínhamos o trabalho de nos revezar por diferentes turmas e atender a todos, não deixar ninguém excluído e isolado. Naquele momento, completamos o quebra-cabeça da noite.

– Você falou com a Vanessa? E como ela está com o marido? – Sim, pareciam alegres. Já passou a tormenta.

De nosso papo frugal, seguimos com o rodo e a vassoura, um encarando o outro com ternura.

De vez em quando, reclamo da dor nos braços. De vez em quando, ela reclama da dor nos pés. São exclamações naturais do sacrifício que não se estendem por muito tempo.

Ela massageia rapidamente meus ombros e diz que providenciará uma massagem mais tarde. Eu tiro seus sapatos, apertos seus dedos e juro que depois pego um creme para aliviar o estresse.

A admiração é feita de pequenas pausas e promessas.

E seguimos nosso baile mudo, nossa coreografia de espuma e detergente.

Lamentamos uma mancha que não sairá no sofá ou algumas cicatrizes novas nas paredes. Não choramos por algo que tenha sido quebrado. Entendemos que a amizade é para ser usada.

Recolhemos o exército de copos e cálices, os pratos sujos, e não nos intimidamos com a quantidade de louça que ocupa a mesa inteira da cozinha.

Dividimos as tarefas: primeiro os copos, depois os pratos, em seguida os talheres. Assim não sofremos com a dimensão assustadora do compromisso.

E continuamos nossa troca de impressões ouvindo os pássaros assobiando ao longe. Não temos certeza se são os rumores das aves ou se é a claridade cantando lentamente na janela.

Ela pergunta se estou com fome. Paramos um pouco nossa arrumação para esquentar salgados e comer sentados no chão da cozinha, na posição de índios ao redor da fogueira. Corre entre nós uma cumplicidade apaixonada, como se só nossos olhos dançassem.

O amor não é apenas uma festa, como alguns imaginam. O amor é também dividir o trabalho de limpar a casa. Acordamos com o apartamento brilhando e nos beijamos de olhos fechados, ainda sonhando.

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