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sábado, 30 de outubro de 2010
31 de outubro de 2010 | N° 16505
MOACYR SCLIAR
A festa das bruxas
Todos temos uma inconsciente propensão para a bruxaria. O Halloween nada mais faz do que permitir que essas fantasias sejam externalizadas
Festa é festa, e festa deveria ser sempre bem-vinda, mas muita gente não gosta do Halloween. Em primeiro lugar, porque é basicamente coisa de americano; não faz, ou não fazia, parte de nossa cultura. Depois, porque é a festa das bruxas, um resíduo do paganismo celta.
Mas a influência americana está presente em nosso cotidiano, indo dos anglicismos ao McDonalds; e a evocação das bruxas a rigor não envolve uma crença, é muito mais uma gozação. Aliás, fazer brincadeiras com coisas misteriosas ou amedrontadoras é um jeito de controlar nossa ansiedade, como se vê no México, no Dia de Finados ali as calaveras, esqueletos feitos de açúcar, fazem parte do folclore.
A propósito, não deixa de ser curioso o fato de que o termo Halloween venha de All-Hallows-Even (evening), referindo-se à noite que precede o Dia de Todos os Santos, este, por sua vez, antecedendo Finados. Ou seja, uma tríade significativa, que nos fala de bruxaria, de fé cristã e da morte.
As bruxas são figuras fascinantes. E simbólicas. Para começar, trata-se em geral de mulheres; bruxos existem, mas são bem mais raros. E são mulheres com poderes extraordinários, resultantes de pactos com o demônio, basicamente usados para prejudicar pessoas.
Alusões a bruxas são muito antigas, mas, no Ocidente, elas passaram a ser perseguidas com peculiar furor por volta do século 15. Um marco nesse sentido foi o lançamento, em 1487, da obra Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas), escrita pelos inquisidores Heinrich Kramer e Jakob Sprenger (acreditem, vocês, ou não, houve um líder nazista com este último nome).
Graças ao advento da imprensa, o livro teve enorme difusão, sobretudo porque correspondia a vários temores e preconceitos da época. Era o começo da modernidade, uma fase revolucionária e confusa, uma fase em que se misturavam a ciência e a superstição, a liberação dos costumes com a repressão. É então que surge a caça às bruxas, que se estendeu por dois séculos e resultou em cerca de 100 mil execuções de mulheres.
A pergunta se impõe: por que o sexo feminino? Em primeiro lugar, porque as mulheres sempre foram vistas (pelos homens) como depositárias do mal, coisa que começa com Eva. Depois, porque era então comum associar desejo sexual e malignidade, e aí, dê-lhe fogueira. As mulheres executadas eram em geral idosas, conhecidas pelo temperamento rebelde ou estranho, pelo gênio independente e não submisso.
O tempo passou, essas ideias mudaram. Em 1958, a grande Maria Clara Machado escreveu uma peça infantil com um título significativo: A Bruxinha que Era Boa. Ou seja: bruxas más existiam, mas exceções, uma bruxinha que era boa, eram possíveis.
O certo é que todos nós temos uma oculta, inconsciente, propensão para a bruxaria, que resulta de nossos temores, de nossos secretos desejos, de nossas fantasias. O Halloween nada mais faz do que permitir que essas fantasias sejam externalizadas, sob a forma de brincadeiras. E brincar, mesmo de bruxa, sempre é bom.
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