sábado, 2 de outubro de 2010



03 de outubro de 2010 | N° 16477
DAVID COIMBRA


O crime de D. Pedro I

O meu amigo Dinho, também conhecido, embora não tanto, como Fernando Eichenberg, pois o meu amigo Dinho, ao saber que certa feita eu ia para Viena, desdenhou:

– Cidade chata...

Esnobismo do Dinho, ele que passou um quarto da sua vida vivendo em Paris e agora mora em Washington, perto de Barack.

Eu, um porto-alegrense arraigado que, quando me mudei, foi para Santa Catarina, eu, da humildade dos meus parcos horizontes, me apaixonei por Viena. Pela beleza da cidade, pela educação de seus habitantes, pelas delícias intensas da gastronomia germânica, por saber que Freud, Strauss e Mozart pisaram naquelas mesmas pedras que pisei, apesar de Hitler também ter pisado, por tudo isso me deixei encantar pela capital da Áustria. Lá estive também no Palácio de Schönbrunn, a residência dos Habsburgos, dinastia que comandou a Europa por 500 aristocráticos anos.

E foi nesse palácio que vi o retrato pintado de Dona Leopoldina, ela mesma, nossa imperatriz que tanto ajudou na proclamação da independência.

Uel.

Estava parado diante do retrato de Leopoldina e a guia austríaca que apresentava o palácio disse com um travo amargo na voz:

– Essa é Leopoldina, que foi mandada para o Brasil para casar com Dom Pedro I, um monstro que a matou com um chute na barriga quando ela estava grávida de nove meses.

Estremeci. Não sou exatamente um patriota e nem cultuo ídolos, mas aquela referência a Dom Pedro I e ao Brasil, a primeira referência ao Brasil que um austríaco fazia desde a minha chegada a Viena, uma semana antes, aquilo me deixou chocado. Já havia lido algo sobre esse caso, só que de forma superficial. Não se fala muito disso por aqui.

Agora, tendo nas mãos o excelente “1822”, de Laurentino Gomes, esperava colher mais informações a respeito desse horrendo fim da imperatriz. De fato, Laurentino conta a morte de Leopoldina, mas sem dar fiança à informação. Faz a narração num neutro futuro do pretérito:

“No dia 20, antes de partir para o sul, D. Pedro promovera um beija-mão de despedida. Domitila estava presente, mas Leopoldina se refugiou em seus aposentos alegando febre alta. Irritado com a ausência da imperatriz, D. Pedro teria tentado arrastá-la à força até a sala de cerimônia, puxando-a pelo braço. Diante da resistência obstinada, lhe teria desfechado um chute no abdômen. Sua última carta à irmã, ditada à marquesa de Aguiar às quatro horas da manhã de 8 de dezembro, três dias antes de morrer, parece confirmar os boatos”.

A seguir, Laurentino reproduz um trecho da carta em que Leopoldina reclama que D. Pedro a maltratou na presença da marquesa de Santos, a famosa amante do imperador:

“Faltam-me forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa de minha morte”.

E foi mesmo a causa da morte de Leopoldina. Um crime hediondo, mas que só foi tratado em pouco mais de meia página por Laurentino Gomes.

Entendo-o, ao Laurentino. Também aprecio o D. Pedro folgazão e mulherengo, que teve caso não apenas com a marquesa de Santos, mas também com a irmã dela, que, dizem, ajudou a povoar os ermos do Brasil do século 19 espalhando mais de cem filhos pelo país, que, parece, era brigão, mas leal; irritadiço, mas bem-humorado;

estuante de energia, mas suave com quem gostava. Entendo Laurentino porque, para mim, D. Pedro era o Tarcisio Meira daquele filme comemorativo ao sesquicentenário da Independência, em 1972. E como o Tarcisio Meira era o Capitão Rodrigo, do seriado da Globo, D. Pedro virou o Capitão Rodrigo, ambos viris, galhofeiros, inteligentes e bravos. D. Pedro era gaúcho!

Difícil imaginar o Tarcísio-Pedro-Rodrigo chutando a barriga de uma grávida. Mas, lastimável, os heróis também cometem erros. Zico saiu triste da Gávea, como um dia Figueroa saiu do Beira-Rio. O próprio Falcão não chegou a ter o sucesso que poderia e merecia ter, ao treinar o Inter. Foguinho, em seu retorno ao Grêmio, demitiu-se suspirando ser “uma página virada” na história do clube.

Mas Renato, não. Renato está conseguindo uma façanha: está se tornando, para a torcida que mais o ama, maior do que era quando parou de jogar. Ainda falta caminho a percorrer, mas, se prosseguir neste ritmo, Renato será um monumento vivo da história mais do que centenária do Grêmio.

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