sexta-feira, 15 de outubro de 2010



15 de outubro de 2010 | N° 16489
PAULO SANT’ANA


Mineiros querem voltar

Tive o privilégio de ser da geração que assistiu com seus próprios olhos às duas maiores façanhas da raça humana: a ida do homem à Lua e o resgate dos 33 mineiros chilenos.

Devo confessar que me emocionou mais o resgate dos mineiros.

Nunca pensei que fosse me emocionar menos com a ida humana à Lua do que com a volta dos mineiros à Terra.

Escrevi Terra com t maiúsculo de propósito, eu acho que os mineiros não estavam na Terra, estavam soterrados no inferno.

Eu interpretei os mineiros soterrados a 622 metros da superfície da Terra como apanhados pelo destino.

E interpretei filosoficamente a sua salvação pelo resgate como uma fuga do destino e uma desesperada e aflita volta à origem.

Buscando sair do sério e tentando fazer humor, dizem que vários mineiros, passados dois dias do salvamento, pediram ao presidente do Chile para voltar à mina escura.

Um mineiro pediu para voltar à mina porque só agora se lembrou de que não suporta mais a reunião de condomínio.

Outro mineiro insiste em voltar para a mina porque, quando chegou de volta, seus dois vizinhos estavam ainda mais insuportáveis do que já eram antes do desastre.

O terceiro mineiro quer voltar a ser soterrado porque ficou sabendo do salário que a mineradora quer pagar-lhe agora, depois do desastre.

O quarto mineiro quer voltar para sempre à mina depois que foi obrigado em dois dias a conceder 48 entrevistas coletivas.

Um outro mineiro quer voltar à mina porque só agora foi perceber que o chão de rocha em que dormia sem lençol lá no refúgio subterrâneo era mais confortável que o colchão de casa ao lado da mulher.

Dois outros querem voltar porque lá embaixo da mina não existia rádio transmitindo antes e após os jogos de futebol, com mais comerciais do que entrevistas.

Mais um outro quer retornar à mina loucamente porque desde que foi resgatado não fala em outra coisa que não seja “o segundo turno do desabamento”.

Dizem que mais um outro que voltar porque lá na mina não tinha fila do SUS, moscas, percevejos, baratas e azuizinhos.

E o último mineiro que pediu para voltar assim o fez porque viu só agora que na sua cidade não tem Zero Hora para ler e ele é obrigado a ler na penúltima página de El Mercurio um colunista muito chato.

No jogo Santos x Inter, anteontem, foi afirmado um novo grande comentarista de jornada: Adroaldo Guerra Filho, o Guerrinha.

Leitura clara do jogo decorrido em seus mais saborosos detalhes, noção tática notável, intervenções apropriadas e esclarecedoras.

O Guerrinha destrói assim um mito de que quem é torcedor de um clube não pode comentar futebol de campo.

Disse o Lauro Quadros no Sala de Redação que só falta agora ao Guerrinha comentar um jogo do Grêmio. E eu acrescentei que então o Guerrinha não se iniba em criticar o Grêmio como anteontem criticou o Internacional.

O Guerrinha é um comentarista agradável de ouvir.

Continuo não me esquecendo da frase: “Em Buenos Aires, em cada café colocaram uma esquina”.

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