sábado, 23 de outubro de 2010



24 de outubro de 2010 | N° 16498
DAVID COIMBRA


Um verso do Chico Buarque

O Chico Buarque é quem conta. Estavam ele e a turma na casa do Francis Hime, bebendo e conversando. Francis sentou-se ao piano, começou a improvisar uma melodia e o Chico se animou e tomou da caneta e foi pondo a letra. E foi escrevendo e estava saindo tudo bem.

Aí acabou o uísque.

– Ah, não – protestou o Chico. – Se acabou o uísque, acabou a festa.

Ao que, se foi, deixando a música inconclusa.

Durante anos, Francis pedia-lhe que terminasse a composição. O Chico, cheio de preguiça, nada. Então o Francis pegou o que havia sido feito, gravou numa fita cassete e mandou-a para uma cantora. A moça gravou aquela fatia de canção, e o Francis enviou o resultado para o Chico.

– Depois que você ouvir quero ver se consegue não terminar essa música – disse.

O Chico ouviu e se emocionou. Era ninguém menos do que Elis Regina quem cantava. Ele correu e completou a composição. Que se tornou um dos grandes clássicos da MPB, Atrás da Porta, que Elis cantava chorando e fazia quem ouvia chorar. Pois de tantos versos fortes de Atrás da Porta, há um que se encaixa nos torcedores da dupla Gre-Nal:

Dei pra maldizer o nosso lar

Pra sujar teu nome, te humilhar

E me vingar a qualquer preço

Te adorando pelo avesso

Pra mostrar que ainda sou tua

Só pra provar que ainda sou tua...

Assim são os torcedores da Dupla. Ninguém pensa mais no Grêmio do que os colorados, ninguém pensa mais no Inter do que os gremistas. O que seria de um sem o outro? Vivem em função do inimigo. Vivem PARA o inimigo. Gremistas e colorados adoram-se pelo avesso.

Calcinha de time

Era uma calcinha mínima, de rendinha, com o distintivo do time. Ele a tirou da caixa, mostrou para ela. Pediu:

– Usa hoje?

– Ah, não! Calcinha de time, não!

– Por favor! É dia de Gre-Nal!

– Não! Ainda mais que é “deles”!

– Por favor! Significa muito para mim... É como se eu estivesse ferrando com “eles”, entende?

– Não!

– Por favor! É uma fantasia minha.

Uma fantasia. Ela cedeu à ideia de lhe realizar uma fantasia. Tomou banho, espalhou creme por todo o corpo. Vestiu a calcinha. Só a calcinha.

Naquele dia, o time dele se deu bem. Ele não. Ele fracassou. Foi humilhado. Perdeu o campeonato.

Ovo com linguiça

Ele tomava cerveja preta, Malzbier. Eu, guaraná Frisante Polar. Que saiba, meu avô só preparou um único prato na vida: linguiça com ovo mexido. Fácil: assim que o azeite estiver fervendo, despeje na frigideira linguiça picadinha. Mexa e remexa. Aí capture três ovos. Talvez quatro. Por que não cinco? Quebre-lhes as cascas. E atire tudo sobre a linguiça sem o menor pejo. Espalhe uma pitada de sal em cima. E mexa e remexa e mexa e remexa e mexa e remexa. E está pronto. Poucos minutos de lida garantem intenso prazer.

Eu e meu avô comíamos linguiça com ovo e pão preto. Coisa de alemão, que meu avô era alemão, ele bebia café preto sem açúcar e comia arroz temperado com caldo de pêssego. Estávamos sozinhos, eu e ele, e à tarde tinha Gre-Nal. Que acontecimento. As rádios abriam a cobertura às oito da manhã. Eu, debaixo da coberta, já estava com o radinho ligado, bebendo cada especulação de tornozelo torcido.

A narração era do Pedro Carneiro Pereira. Ou do Ranzolin. Depois é que surgiu o Haroldo com o adivinheeeeeee... O Professor Ruy e o Lauro Quadros dividiam os comentários. Dois comentaristas por jogo, imagine. Mais tarde, o Professor foi contratado pela Gaúcha e se deu uma revolução.

Era um Gre-Nal de rádio. Naquele tempo, se a gente não fosse ao jogo, não via o jogo. Só depois, no videoteipe, bem tarde, com o Celestino Valenzuela e suas pausas de ouro:

– C-c-c-Quê! Llllllllance...

Havia romantismo nos Gre-Nais daquela época.

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