sábado, 30 de outubro de 2010



30 de outubro de 2010 | N° 16504
NILSON SOUZA


Catadores de milho

Minha professora de datilografia perdeu tempo comigo. Sim, venho de um tempo em que datilografar (pretérito pré-histórico do verbo digitar) era um diferencial competitivo no mercado de trabalho. Aprendi a escrever com os 10 dedos, sem olhar para o teclado, e achava que essa habilidade me faria um profissional diferenciado. Mesmo quando os computadores substituíram as máquinas de escrever, com o acréscimo de duas dezenas de teclas ao tradicional teclado alfanumérico, mantive a capacidade de transformar toques digitais em texto sem tirar os olhos da tela.

Mas agora o golpe tecnológico parece ser fatal, com a introdução em nossas vidas de aparelhos sensíveis ao toque na tela – todos esses que têm um “i” minúsculo na frente do nome. O iPad, que é o brinquedo da hora, permite chamar um teclado em sua tela plana, mas sem espaço para que as mãos pensem por conta própria. Vamos virar todos, novamente, catadores de milho. Outro dia fiquei observando uma colega escrever no seu novíssimo equipamento e percebi que ela usava apenas os indicadores, sem desviar o olhar da tela.

Percebi, então, que estamos todos nivelados. Claro que alguns jovens, que já nasceram no ambiente digital, terão mais facilidade e rapidez para encontrar o caminho certo, mas duvido que alguém volte a redigir um texto sem olhar para as próprias mãos.

Tem gente que resolve o cubo mágico com os olhos vendados, mas, para isso, a sensibilidade nos dedos é tão fundamental quanto guardar os movimentos corretos na memória. Mas temos dedos demais para digitar o teclado virtual projetado na tela plana.

O polegar e o indicador são suficientes, tanto para abrir e fechar ícones quanto para dedografar caracteres.

Dona Nilda, a professora de datilografia, me obrigava a escrever com as mãos cobertas. Foram tantas repetições do asdfg çlkjh, que acabei gravando esta referência para digitar qualquer texto com os olhos fechados. Lembro-me, ainda, de uma poesia que escrevi dezenas de vezes para exibir minha capacidade de produzir um texto sem acompanhar os dedos com os olhos.

O autor era um tal Osmar ou Vilmar, só sei que terminava em mar: “Maria, flor da açucena/ era uma companheirinha/ de escola que outrora eu tinha/ eu pequeno, ela pequena./ Quando com a mão pequenina,/ ela o seu nome escrevia,/ eu lhe falava, Maria/ em mar meu nome termina,/ em mar o teu principia./ Eis porém que veio um dia,/ que o mar afastar-nos veio,/ e eu parti por mundo alheio,/ sem nunca mais ver Maria”.

Pobre Osmar!

E hoje eu acrescentaria: eis porém que veio um dia/ a tal de tecnologia/ e acabou com a poesia/ do tempo da datilografia.

Um fim de semana gostoso e um lindo feriado para você. Aproveite esse finzinho de outubro. Novembro vem ai a largos passos

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