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quarta-feira, 6 de outubro de 2010
06 de outubro de 2010 | N° 16480
JOSÉ PEDRO GOULART
O homem que não era cavalo e cavalo que não era homem
De modo que eu vinha guiando meu carro na rua, quando vi esse homem só de bermudas conduzindo uma carroça velha. Você não vê (ou se vê, é raro) pessoas dirigindo automóveis sem camisa, entretanto é comum homens conduzirem carroças assim – é um caso aceito. Como é aceito que índios andem despidos, ou padres usem saias.
O que não é aceito é que se maltratem animais nas ruas – especialmente nessa nossa época em que os bichos são protegidos por entidades constituídas para isso – e o homem chicoteava com vigor o cavalo que puxava a carroça. Era um trabalhador na luta pelo pão de cada dia, o que poderia amenizar a situação. Mas aquilo dava pena, o animal estava judiado, quase pele e osso. Andava cabisbaixo, encilhado, amarrado, chicoteado.
Parei do lado da carroça, abri o vidro elétrico e com isso perdi um tanto do ar condicionado do auto. O calor que veio da rua incendiou minha alma que já queimava de indignação. Como não sou índio, eu estava completamente vestido; e como não sou padre também, não estava com uma saia arejada.
Mesmo assim, repleto de bons sentimentos, protestei. “É necessário bater nele desse jeito?”. E lembrando algum aprendizado remoto na vida, conciliei: “Não dá para ‘mostrar’ o chicote apenas?”. O carroceiro me olhou e sorriu: “Ah, essa égua só anda a pau.”
A situação piorou: o cavalo era uma guria. Uma moça. Ou ainda, uma senhora. Quem sabe não terá tido filhos, outros cavalos que andam por aí a puxar carroças e serem chicoteados.
Me deu vontade de brigar com o sujeito, mas o sorriso dele, compreensivo com meu arroubo, me desconcertou. Ele que não tinha vidro elétrico nem ar condicionado. Talvez num ato alucinado, desmedido, eu pudesse fazer-lhe uma proposta pela égua: passar a cuidar dela, dar banho, comida e, mais do que tudo, carinho.
Era uma ideia maluca, aquela. Mas corajosa. Um movimento contrário à onda implacável e cruel do nosso destino de dor e morte. Afinal, como disse Nietzsche: “Há sempre uma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura”. Reza a lenda inclusive que ele terminou de enlouquecer (terminou porque ele já vinha derretendo os fusíveis há tempos) quando viu um homem açoitando um cavalo na rua.
Mas eu, sem sequer me dar o direito de endoidar, desisti. Chicoteei o pedal do acelerador e com isso acionei os mais de cem cavalos do motor do meu carro e me mandei dali. Deixando a égua, o sujeito, e aquela fatia de vida miserável para trás.
“Até os mais corajosos (e nem é o meu caso) raramente têm a coragem para aquilo que realmente sabem”. Essa também é do bigodudo.
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