quinta-feira, 14 de outubro de 2010



14 de outubro de 2010 | N° 16488
LETICIA WIERZCHOWSKI


A caixa de carrinhos

Meu filho mais velho, quando era menor, colecionava carrinhos. Aqueles carrinhos de metal pequenos, os Hot Wheels. Durante anos, ele ganhou Hot Wheels, juntou moedas e com elas comprou Hot Wheels.

Durante anos, ele brincou com esses carrinhos icônicos, colecionando-os com uma sagacidade e uma acuidade impressionantes – tinha uns duzentos Hot Wheels na estante do quarto; porém, ao entrar numa loja, ele sabia direitinho qual modelo devia comprar, e nunca escolheu sequer um único carrinho repetido.

Sendo assim, e como sempre foi um menino cuidadoso, João abandonou a sua longuíssima fase Hot Wheels com uma coleção e tanto. Coleção que eu, ao perceber o seu pleno desinteresse, tratei logo de encaixar e guardar para a posteridade. Pensava em fazer uma estante envidraçada e expor aqui em casa a bonita coleção de Hot Wheels do João.

A posteridade não veio, porque o Tobias chegou antes, ainda bem. E chegou lascando: aos dois anos de idade, meu filho mais novo já adora e brinca alucinadamente com os tais carrinhos Hot Wheels. A coisa foi aos poucos...

No começo, eu tirava da caixa um carrinho ou dois, e o Tobias passava dias fazendo burrum, estacionando e guiando os Hot Wheels pelo seu quarto. Quando ele enjoava de algum carrinho, eu tirava outro da caixa.

A brincadeira pegou: não demorou muito para que o espertinho descobrisse que havia uma tal “caixa” no meu closet, e que dela saíam, misteriosamente, dezenas de Hot Wheels. Com a caixa trabalhando cada vez mais assiduamente, criei a seguinte artimanha: se quatro carrinhos ganhassem a luz do dia, outros quatro voltavam para o escuro da caixa.

A coleção de carrinhos tornou-se inesgotável, e a caixa, na sua prateleira do closet, ganhou a imaginação do meu filho mais novo. Todo dia, ele corre pra mim e diz: “A caixa, mamãe! A caixa!”.

Eu peço que sente na minha cama e, de olhos fechados, espere que a caixa lhe entregue o seu quinhão diário de Hot Wheels. E ele fecha os olhos e espera, arfante e curioso... A perfeita imagem da infância, o Tobias e sua cornucópia de Hot Wheels.

Agora os Hot Wheels andam pela casa inteira, estacionados entre as almofadas do sofá, dentro dos sapatos, embaixo da mesa de jantar. Perfeitamente indispensáveis outra vez, como devem ser os brinquedos.

A posteridade se ralou, e sei que nunca mais vou construir aquela tal estante envidraçada. A caixa está lá no alto do armário, adorada como um deus. E o Tobias, feliz da vida, burrum, burrum, pra lá e pra cá, dia e noite, noite e dia…

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