terça-feira, 19 de outubro de 2010



19 de outubro de 2010 | N° 16493
CLÁUDIO MORENO


Coragem é isso aí

Isaac Asimov, um dos mais famosos autores de ficção científica, escreveu diversas histórias sobre os possíveis efeitos da expansão da robótica entre nós. No futuro imaginado por ele, todo robô deverá sair da fábrica com três leis fundamentais implantadas em seus circuitos.

As duas primeiras – um robô não pode fazer mal a um ser humano e um robô deve obedecer às ordens humanas – destinam-se a evitar que nosso planeta se torne um pesadelo comandado pelas máquinas. A terceira – um robô deve ignorar as duas primeiras regras se perceber que vai se destruir em vão ao tentar segui-las – evita o sacrifício inútil desses mecanismos tão valiosos.

Nós outros, porém, mais livres porque imperfeitos, nascemos com uma programação que nos permite ignorar essa regra e arriscar a própria vida por algo maior do que nós mesmos. Às vezes, como mostra a Ilíada, podemos agir assim pelo senso do dever: Heitor, o melhor dos troianos, mesmo sabendo que vai levar a pior no confronto corpo-a-corpo com Aquiles, o imbatível guerreiro dos gregos, não pensa em pedir clemência ou, menos ainda, em fugir ao combate.

Consola-o a ideia de que seu pai, sua mãe e a cidade inteira, do alto da muralha, hão de guardar para sempre a memória de sua honra e de sua coragem. Por isso, despede-se da mulher e do filhinho e desce à planície, ao encontro da morte certa mas da glória eterna. Um robô não faria isso.

De todos os motivos possíveis, nenhum, é claro, pode se comparar ao amor – para Dante, a força que “move o Sol e as outras estrelas”. Como a misteriosa água-régia dos alquimistas, capaz de dissolver tudo aquilo com que entra em contato, o amor sempre teve a propriedade de anular as grandes e as pequenas leis.

Assim Alceste, mulher de Admeto, ganhou o seu lugar entre as grandes heroínas literárias quando consentiu em morrer no lugar do marido, que a Morte tinha vindo buscar – da mesma forma que milhares, antes e depois dela, puseram em risco a existência para salvar alguém a quem muito amavam. Um robô também não faria isso.

Lastimamos o trágico destino de Heitor e de Alceste, mas não é difícil entender a corajosa decisão que tomaram, pois uma voz interior nos sussurra que talvez fizéssemos o mesmo, se tivéssemos o motivo. Agora, quem poderá explicar o feito de Manuel González, o chileno voluntário que, desafiando nosso pavor ancestral diante do sepulcro, enfrentou o risco de baixar 600 metros até o fundo da mina para salvar os colegas?

Mesmo na mitologia, os heróis que desceram ao mundo dos mortos estavam convencidos de que poderiam voltar; para González, porém, não havia garantia alguma de que não fosse se juntar para sempre aos mineiros soterrados. Todos os que viram a cena sentiram-se ultrapassados pela estatura desse herói. Nenhum de nós faria isso. Pois ele fez.

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