sábado, 16 de outubro de 2010



17 de outubro de 2010 | N° 16491
MARTHA MEDEIROS


A cidade que não dorme

Estando com os dois pés cravados em Manhattan, me senti distante de tudo que prezo

Estive em Nova York pela primeira vez em 1992. Gostei, mas não me apaixonei pela cidade, então retornei agora, 18 anos depois, para dar uma segunda chance a nós duas. De novo, não houve química.

Não sou maluca de desprezar a capital do mundo: é um lugar magnético. Mas como toda pessoa exuberante e segura de si, ela custa a permitir um envolvimento, o que de certa forma confirma um dos aspectos da sua modernidade: quem quer se envolver hoje em dia?

Pois pertenço ao reduzido grupo de nostálgicos que ainda gostaria. Estando com os dois pés cravados em Manhattan, me senti distante de tudo o que prezo: contemplação, prazer, intimidade. E fiquei com a incômoda sensação de que o planeta inteiro está avançando para um estilo de vida muito parecido com o do nova-iorquino, ainda que eu não concorde que o verbo “avançar” aqui se aplique.

Entre outras coisas, me incomodou o impulso de consumir. Não é obrigatório, claro. Pode-se passar os dias meditando sobre a grama verde do Central Park, caso se tenha vocação para hare krishna.

Mas, quando viajamos, é praxe trazer alguma lembrança, comprar algo que não existe em nosso país (ainda que tudo exista no nosso país desde que inventaram os sites de venda), bisbilhotar livrarias, descobrir algum lançamento em cosméticos, enfim, cada um escolhe o suvenir que fixará a viagem na memória.

Consumir por consumir não é pecado mortal, mas o discernimento é jogado no lixo assim que se aterrissa no aeroporto John Kennedy. Você tem que comprar um lençol de 500 fios na Century 21, tem que comprar cashmere barato na Uniqlo, tem que comprar algum eletrônico na megaloja da Apple, tem que reservar uma mesa no Spice Market, tem que ver a última mostra do MoMA, tem que assistir ao musical que todo mundo está comentando. Qual o problema, sua provinciana? Isso não é animador? É animador e um pouco aflitivo.

Até o lazer, em Manhattan, parece business. A integração com a cidade se dá através do máximo que se puder fazer/comer/assistir em um dia. Parece que estão todos sendo regidos por uma agenda imaginária que precisa ser cumprida para que se alcance um índice de produtividade decente.

Se você está surpreso com essa minha visão da cidade, toque aqui: também estou. Nunca tive essa reação em outros lugares do mundo, mas em NY eu senti desse jeito. Deve ser algo que colocaram na minha água.

A Big Apple tem espetáculos sublimes, museus espetaculares, lojas charmosas e preços encantadores. E também milhões de solitários se relacionando intimamente com seus iPods, iPhones e iPads, ruas escuras e cinzentas porque a altura dos prédios impede a entrada do sol, excesso de gente, pouca classe e nenhum relax. A cidade nunca dorme e se orgulha disso: como é que caímos nessa conversa de que desenvolvimento se mede pela urgência, pela pressa, pelo ritmo insone da vida?

Já tive mais compatibilidade com tudo isso. Mudou o mundo ou mudei eu. Voltei tinindo por uma praia.

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