quarta-feira, 13 de outubro de 2010



13 de outubro de 2010 | N° 16487
PAULO SANT’ANA


O espeto corrido

Estive observando como sou carnívoro. Por semana, devoro dezenas de quilos de carnes no Miau da Cabral, na Casa do Marquês, na Panchos, em outras churrascarias.

E fico assistindo aos que estão ao meu lado atirarem-se à farra do boi, dos galetos, dos cordeiros.

É uma festa pantagruélica de carnes. Todos os dias, todas as semanas, anos a fio.

Fico então pensando que nada me diferencia dos leopardos, dos leões, dos tigres, dos guepardos. Eu, como eles, não passo de um carnívoro.

E, como essas feras, eu como carne diariamente.

Assim como vou a espeto corrido, os leões, na selva, têm também o seu espeto corrido, ora comem um coelhinho, depois uma gazela, mais tarde uma zebra etc.

A diferença entre mim e as feras mamíferas é que elas mesmas é que abatem suas presas, enquanto que eu me valho de um frigorífico.

Tanto que eu, como tanta gente, me envergonho de não ser vegetariano. Aquele cordeiro mamão que como na Churrascaria Porto-Alegrense foi abatido cruelmente, teve seu pescoço seccionado por uma impiedosa faca.

Aquela maminha que como no domingo pertenceu a um boi que foi abatido implacavelmente por marretadas na cabeça, um longo sofrimento. Já pensaram o que é sofrer uma série de marteladas de ferro na cabeça até estertorar?

Temos assim, que a lei urbana é rigorosamente igual à lei das selvas. Uns sofrem terrivelmente para os outros se alimentarem.

Mas aonde é que eu queria chegar? Eu queria dizer que todos os animais que se alimentam de carne são ferozes, inclusive o homem.

A pomba é pacífica e serena, pois não se alimenta de carne, os pássaros canoros são poéticos, porque não se alimentam de carne.

Já as aves que se alimentam de carne viva, como o falcão, a águia, o gavião, o carcará, estes são animais ferozes, que se encharcam de sangue vivo quando se alimentam.

Também há cobras que se alimentam de mamíferos vivos. Umas, até piedosas com suas vítimas, primeiro inoculam nelas seus venenos, depois que as paralisam e as adormecem, as devoram.

O homem é o lobo do homem, diz o ditado latino adequadamente, tanto porque vivemos atacando e matando os outros homens na cidade e no campo, como nos assaltos, também porque somos carnívoros e implacavelmente odiosos.

A vida na face da Terra, incluindo animais e homens, não passa de uma sucessão de comilanças e antropofagias, uns devorando os outros, miseravelmente, para sobreviver.

A conclusão é de que eu sou um dos atores dessa imundícia.

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