Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
13 de outubro de 2010 | N° 16487
DIANA CORSO
O canto das betoneiras
Quem vive na cidade pode ter como esporte acompanhar uma obra. Edifícios altos são minhas preferidas. Gosto dos guindastes enormes, o empilhamento sucessivo dos andares, os esqueletos que se preenchem, e pior, alguns de seus barulhos já nem me irritam.
Logo que a construção fica pronta, há o tráfego dos caminhões de mudança, a curiosidade sobre os novos vizinhos. Quando em obra, um imóvel é móvel, em transformação, é uma parte mutante da paisagem. Depois do prédio pronto perco o interesse, quando muito restam janelas iluminadas para supor-lhes alguma vida interior.
Minha alma romântica me diz que deveria restringir meu apreço a casinhas enfileiradas com janelas na calçada ou jardinzinhos, do tipo que ainda se encontra passeando pelo bairro Menino Deus. Também gosto delas, mas aprendi a ver no desabrochar de um prédio alguma poesia.
Quando pequena lembro da emoção com que acompanhei um edifício de 21 andares que ia interrompendo a vista da minha janela, tudo ia bem até que ele se vestiu todo de pastilhas cor de rosa-choque, aquilo não podia ser sério.
De fato, tudo o que uma cidade tem para oferecer me serve: ruas cinzentas da parte velha da cidade com igrejas pentecostais, misturadas a lojas de autopeças e boates, crentes e prostitutas lado a lado; antigos bairros bucólicos; espaços abertos com carros apressados e algum monumento dominando o cenário; tudo guarda algum interesse.
De todas as paisagens, a mais chata é a dos novos núcleos residenciais planejados, com prédios construídos na mesma época, cheios de guaritas, e moradores que nunca saem na rua a pé, suas calçadas vazias dão uma sensação de solidão.
Agora volto a acompanhar um prédio enorme que se impõe no horizonte, desnivelado com tudo em volta, e escrevo enquanto escuto o canto das betoneiras. São gigantes como baleias e quando chega a fase de concretagem entoam seu rangido melódico o dia inteiro, numa espécie de cio urbano dos caminhões com suas barrigas giratórias.
Deveria me irritar, mas paradoxalmente para mim esse já é um dos ruídos que considero normais. Suporto sua familiaridade como alguém jamais alvejaria os passarinhos que gorjeiam interrompendo sua concentração.
Aliás passarinhos também são audíveis e latidos de cachorro, sons que se misturam agradavelmente. Para mim a cidade é um organismo vivo e gosto de senti-lo pulsar. Não envelhecerei num sítio, é tarde demais para deixar de ser tão urbana, o óleo diesel já me atingiu os ossos.
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