sábado, 30 de outubro de 2010



30 de outubro de 2010 | N° 16504
CLÁUDIA LAITANO


Entre a fartura e o semiárido

Vocês já pararam para pensar na movimentação de Porto Alegre nos últimos dias? É um tal de Prêmio Nobel dando palestra pra cá, Mikhail Baryshnikov dando piruetas pra lá, exposições na Fundação Iberê e no Santander Cultural de deixar o Guggenheim de queixo caído, vaquinhas espalhadas pela cidade, Black Eyed Peas hoje, Paul McCartney chegando daqui uns dias... Te cuida, Nova York!

Bom, mais ou menos. Essa vitalidade toda na área dos grandes espetáculos, dos ciclos de conferências internacionais, das exposições que viajam o mundo todo é, digamos assim, o lado “fartura” da nossa vida cultural – reflexo da economia estável do país e bancado pela parceria bem-sucedida entre bons gestores culturais, patrocinadores ousados (investimento em cultura é sempre um risco) e eventualmente até uma graninha pública de incentivo fiscal.

O lado “semiárido” da cultura gaúcha é aquele que depende não apenas dos orçamentos minguados dos governos e das prefeituras, mas de uma subjetiva “boa vontade” com o assunto, uma mercadoria simbólica que vai e vem ao sabor dos diferentes políticos eleitos, indo do fundo do poço a flashes de esperança, em ciclos de quatro anos que parecem recomeçar tudo sempre do zero – salvo as raras exceções de sucesso e continuidade administrativa, caso de Luciano Alabarse à frente do Em Cena e de Eva Sopher na direção do Theatro São Pedro.

Nos últimos anos, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre vem mantendo um equilíbrio cada vez mais instável entre a vocação para a fartura e as inevitáveis contingências de quem ganha o pão no semiárido. É uma orquestra de músicos qualificados, com uma trajetória ininterrupta de 60 anos e reconhecimento nacional.

Mas não consegue pagar a manutenção dos seus instrumentos, desativou sua Escola de Música e viu o sonho da sede própria se transformar em uma saga de idas e vindas e sucessivos adiamentos que seria cômica, se não tivesse se transformado em uma espécie de símbolo da letargia cultural do nosso semiárido.

O vínculo de Isaac Karabtchevsky com a Ospa desde 2003 (cerca de oito concertos por ano) pode ser interpretado como uma tentativa de manter a imagem da orquestra à altura de suas ambições. Nesta semana, o maestro anunciou sua decisão de migrar para climas mais amenos. Semiárido 1 x 0 Fartura.

Sem o prestígio internacional do maestro, o que a Ospa mais precisa agora é conquistar o prestígio local: administradores públicos que entendam a importância de uma orquestra, gestão criativa e ousada e empresários que comprem a sua causa, topando associar sua marca a uma das instituições culturais mais tradicionais do Estado.

O fato de o futuro secretário de Cultura ser um ex-músico da orquestra pode ser um belo símbolo, mas vai precisar ser muito mais do que isso. Para provar sua disposição de resgatar a porção semiárida da cultura gaúcha, o novo governador deve garantir para o secretário Luiz Antonio de Assis Brasil o apoio de um conjunto de gestores culturais eficientes nas diferentes áreas, além de orçamento digno e uma política cultural consistente.

Nenhum solista, por melhor que seja, substitui uma orquestra.

Nenhum comentário: