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sábado, 16 de outubro de 2010
17 de outubro de 2010 | N° 16491
DAVID COIMBRA
Os reis gordos
Quer ver? O rei Henrique VIII, da Velha Álbion. Quando ele era jovem diziam ser “o príncipe mais belo da Europa”. Houve, porém, dois fatos que mudaram essa condição.
O primeiro é que Henrique machucou seriamente a perna num daqueles torneios de lança em que os contendores arremetem um contra o outro sobre cavalos, dentro de armaduras de metal. Henrique teve a coxa perfurada pela lança do adversário, a ferida nunca fechou direito e ele precisou reduzir as caminhadas e a prática de esportes. Resultado: suas carnes foram amolecendo e seus músculos descaindo.
O segundo fato que colaborou para o enfeamento do rei foi o seu gosto pelos prazeres da mesa. Henrique era um comilão. Naqueles tempos de alimentos caros e escassos, só os nababos ou os príncipes podiam fartar-se com tudo, e com tudo ele se fartava.
A dieta de Henrique, como a da nobreza em regra, era gordurosa e calórica, ao contrário do regime dos pobres, obrigados a comer peixes, verduras e legumes, muito menos atraentes no quesito sabor e muito mais eficazes no quesito saúde.
Assim, Henrique engordou medonhamente. Ao cruzar a fronteira dos 40 anos de idade, sua cintura media 137 centímetros. Meça a sua para ver que coisa séria era a barriga do rei.
Henrique não foi o único soberano vitimado pelo desregramento gastronômico do passado. O nosso bonachão Dom João VI adorava frangos delicadamente dourados na manteiga. Comia-os inteiros de uma sentada e estocava mais alguns nos bolsos do manto real para as horas em que a fome o surpreendesse e ele quisesse fazer uma boquinha.
E Catarina de Médicis, a rainha gloriosa que ensinou boas maneiras aos franceses e que foi a inventora de uma das peças de roupa mais empolgantes, emocionantes e entusiasmantes da história da Humanidade, Catarina de Médicis tanto comeu e tanto engordou que, um dia, ao tentar montar em um infeliz cavalo, o bicho desandou e morreu amassado. Doutra feita, ela entalou na porta de uma igreja, que teve de ser alargada para dar passagem aos volumes da rainha.
Por que isso?
É que até meados do século 20 a gordura era sinônimo de saúde e beleza. Lembro da minha avó, Dona Dina, que vez em quando se referia desta forma a alguém:
– Encontrei a Silvia ontem. Está gooorda, boniiita...
Hoje, ao contrário, a gordura é desprezada. Eu mesmo, admito, quando olho para uma perna de mulher, e quando o faço é apenas por motivos estético-antropológicos, não vai nenhuma malícia aí, de jeito algum, pois quando olho para uma perna de mulher, aprecio-a se é dourada e rija, se é uma perna que trescala saúde e atividade física ao ar livre, se é uma perna fresca de manhãs de verão, se é ao mesmo tempo tenra e sólida, se é uma perna macia, suave e poderosa, se ela é tudo isso eu sinto meus olhos marejarem por ela, mas o contrário, uma perna gorducha, não, essa perna não me faz embevecer. Não mesmo.
Bem.
Há quem chame o Ronaldo Nazário de relaxado porque ele tem tempo, tem dinheiro e tem à disposição todos os instrumentos para emagrecer, mas não emagrece. Antes, fica a cada dia mais redondo. Pois eu aqui, um assumido admirador de corpos enxutos, vou defender Ronaldo.
Ele procede como Henrique VIII, como Dom João VI, como Catarina de Médicis. Ele pode. Então ele faz. Ronaldo entregou-se aos prazeres da vida e pouco se lhe dá se está fora de forma. Ronaldo está acima das exigências feitas ao comum dos mortais. Ronaldo é um rei. E um rei pode ser mais mundano do que todos os súditos mundanos.
A PROPÓSITO
O goleiro Leão, quando pendurou as luvas, alguém lhe perguntou o que faria a partir daquele momento, e ele:
– Comer.
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