segunda-feira, 11 de outubro de 2010



11 de outubro de 2010 | N° 16485
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Primavera ao Sul

A primavera, cá ao Sul, é uma estação ambígua. Seu conceito não é nosso, é do Hemisfério Norte. Depois do inverno que congela os rios e os lagos, depois dos ventos boreais frigidíssimos e da neve que paralisa as cidades e o campo, a primavera chega, lá, como anúncio de garantidas felicidades. As pessoas renovam seus jardins, à espera das floradas que encantarão os vizinhos.

As primeiras brotações são saudadas com sorrisos. Enfim, lá a primavera existe. Existe mesmo em Portugal, em que as temperaturas invernais são mais amenas. Vejam-se dois versos de um poema de Florbela Espanca:

Há uma Primavera em cada vida: / É preciso cantá-la assim florida, [...]. Ou mesmo a frase célebre do ultra-romântico André Chénier: Ó dias de minha primavera, dias coroados de rosas.

A primavera, no Brasil – estamos falando do Paraná para cima – é uma estação de pouca serventia, pois há um continuum das estações, em que não se sabe quando uma começa e outra termina. Isso não impediu Olavo Bilac de escrever um de seus poemas mais conhecidos, que diz, entre outras coisas: Ah! quem nos dera que isto, como outrora, / Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera / Que inda juntos pudéssemos agora / Ver o desabrochar da primavera!

Quanto a nós, aqui ao Sul, ela anuncia a enchente de São Miguel, tempestades, calores inoportunos e irritações coletivas. Nós, bem que tentamos, alegrarmo-nos oficialmente com ela, elogiando as glicínias com suas lágrimas roxas, os ipês multicoloridos, o canto do sabiá matutino; nossas mãos que recobram a cores naturais, as roupas mais leves, as aves que voltam em revoadas graciosas, os dias cada vez maiores, as noites mais curtas etc.

A primavera como ideia de felicidade é, assim, uma estação criada pela literatura e pelo sentimento Kitsch que habita dentro de nós. Quando a primavera vem, alegramo-nos por método e estilo; ficamos felizes porque assim manda a boa educação meteorológica.

O encanto pela primavera vem, possivelmente, por sua associação à juventude – “a primavera da vida” – mas não esqueçamos a advertência sombria de Simone de Beauvoir, comentando Chénier: No ano, apenas uma primavera; na vida, apenas uma juventude.

Mas enfim, esqueçamos essas considerações e alegremo-nos com essa nova estação ao Sul – é possível até que sejamos sinceros.

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