sábado, 9 de outubro de 2010



09 de outubro de 2010 | N° 16483
CLÁUDIA LAITANO


Muitos e diferentes

As pessoas que gostam de futebol costumam olhar pra mim com uma certa pena – mais ou menos como um carnívoro convicto diante de um vegetariano. A primeira reação é de estranhamento – vegetarianos, como os “bolófobos”, são uma minoria exótica no Brasil. Mas logo depois do estranhamento, se o coração é bom, vem a compaixão: “Deixa a guria, coitada, ela não sabe o que é bom”.

Esta semana, me senti do outro lado, no aconchego de uma multidão compacta e mobilizada, olhando com espanto e condescendência os seres excêntricos que não estavam encarando o show de Paul McCartney em Porto Alegre com a devida solenidade.

A mobilização dos fãs em torno do assunto durante toda esta semana seria visível da Lua, se alguém por lá estivesse olhando. Excitação nervosa, troca-troca de informações, mistura de gestos de generosidade com espasmos de individualismo ostensivo e uma inédita pauta única aproximando pessoas que nem sequer sabiam que tinham algo em comum para compartilhar.

A devoção pelos Beatles não é parecida com nenhuma outra mobilização de fãs que eu conheço, mas o que torna esses fãs tão diferentes de todos os outros não é apenas a quantidade deles espalhada pelo mundo (Lady Gaga também é muito popular), mas a pluralidade – a inigualável mistura de origens, gostos e perfis que enlaça essa singular comunidade planetária.

No dia 7 de novembro, o Beira-Rio vai estar lotado de senhores e senhoras com a idade de Paul McCartney, mas também de crianças e adolescentes – tão entusiasmados quanto os pais e os avós.

Vai ter gente que frequenta shows regularmente, mas também os que nunca enfrentaram uma longa fila para comprar ingressos antes. Vai ter gente que entende de música, e gente que entende só de Beatles. Famílias tranquilas vão dividir a cesta de piquenique enquanto esperam ordeiramente o início do espetáculo.

Turmas barulhentas de amigos que beberam o dia inteiro em comemoração antecipada vão ver vários Pauls dividindo o mesmo palco – e quem sabe até um John Lennon no céu com diamantes. Metaleiros, românticos, emos, roqueiros, punks, prepare-se para ver uma tribo que não parece tribo vibrando harmonicamente na mesma onda. (E não é exatamente essa a grande emoção de um estádio lotado?)

Um rapaz na fila do Beira-Rio chegou a dizer para um repórter, brincando, que trocaria o prêmio da Mega Sena por um ingresso para o show – e eu entendo exatamente o sentido do exagero.

O preço de algumas experiências é medido não apenas pela grana que temos, ou não, para bancar o luxo, mas pelo valor que a gente sabe que dá a elas depois de descontadas todas as falsas necessidades, os falsos desejo de consumo e as paixões fabricadas unicamente para que a gente se convença de que as tem.

Fãs dos Beatles têm a sólida convicção, muito pouco comum nos dias de hoje, de que a banda nunca vai sair de moda. O que amamos nos Beatles é a maneira absolutamente única como eles tocam a cada um de nós. Mas celebrar essa paixão em conjunto é como torcer na rua depois de vencer um grande campeonato. Nos vemos lá!

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