sábado, 16 de outubro de 2010



É hora de pegar a onda?

O desempenho da Bolsa em 2010 foi morno. Pode significar um bom momento para investir em ações ou fundos de ações antes de um novo ciclo de alta
Daniella Cornachione e Marcos Coronato

Uma geração de poupadores brasileiros quase foi inteiramente estragada nos últimos anos. Quem começou a aplicar em ações na primeira metade da década foi mimado pelo sabor doce e viciante de enriquecimento rápido e fácil, como se não houvesse riscos na Bolsa e nos fundos de renda variável (que incluem ações).

Aí veio a crise, em 2008, e varreu a ideia de que fazer esse tipo de investimento é uma festa com retorno garantido. O encarecimento da Bolsa foi contido até este semestre, pelo menos, o que abre novas oportunidades. Para quem pode fazer esse tipo de aplicação – atenção: para quem pode, e não para quem quer – existe novamente uma chance de ficar mais rico com a Bolsa, ao longo dos próximos anos.

Stefano Martini
RUMO CERTO

A administradora Anna Speroni, em casa. Ela é paciente, tem poucos gastos e aplica em ações desde os 19 anos

A administradora carioca Anna Speroni, de 24 anos, pretende aproveitar esse ciclo. Ela se formou pela Fundação Getulio Vargas e mora com os pais. Tem poucos gastos e pode arriscar. “Estou aproveitando, porque esta é minha fase de acumular”, diz. Anna começou a investir em 2005, quando a Bolsa estava no meio da curva de crescimento que se encerraria na crise.

Ao longo desse período, o Ibovespa, principal índice da Bolsa, saiu do nível dos 11.000 pontos até atingir quase 60.000. Isso indica que foi possível transformar R$ 11 mil em R$ 60 mil investindo em fundos de ações que seguissem o Ibovespa.

Esse desempenho foi possível pela combinação entre estabilidade econômica, mais investimentos estrangeiros, perspectiva de queda da taxa básica de juros e abertura de capital por muitas empresas. Como Anna, mais de 370 mil pessoas começaram a investir em ações naquela época. Hoje, são mais de 630 mil.

Depois da fase próspera que durou mais de cinco anos, a Bolsa caiu com a crise, recuperou-se em 2009 – e estagnou. A crise financeira global e as incertezas diante da eleição presidencial pararam o mercado. Isso não quer dizer que seja uma hora ruim para investir. Pelo contrário. O ideal, em qualquer mercado, é comprar barato e vender caro.

Hoje, o investidor pode aplicar em ações e fundos de ações com calma, sem o afobamento dos momentos de euforia, péssimos para qualquer planejamento. É melhor se preparar antes para surfar completamente o próximo ciclo de alta, desde o início, porque ninguém sabe ao certo se e quando ele virá.

Para os pessimistas, fatores como um agravamento da crise global podem adiar esse crescimento por vários anos. Os otimistas acreditam que a reação esteja próxima. “Várias análises indicam que o Ibovespa vai sair dos atuais 70.000 e chegar a 80.000, 85.000 pontos no ano que vem”, afirma Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora. Isso significaria um ganho perto de 14% em 2011, capaz de produzir maravilhas de enriquecimento se mantido no longo prazo.

Aplicar em ações é para quem tem dinheiro guardado, poucas dívidas e muito tempo

Ainda que o momento do mercado pareça propício, porém, investir em ações não é para todo mundo. A administradora Anna aproveita uma fase em que arriscar muito compensa. Isso tem a ver com o longo tempo de vida produtiva que ela tem pela frente, com as poucas despesas e com a possibilidade de deixar o dinheiro aplicado por um bom tempo – vários anos, se necessário.

Mesmo um profissional jovem e com boa renda não deve investir muito em ações, se estiver com as contas apertadas por compra de imóvel, filhos pequenos ou dívidas em geral. Em qualquer idade, antes de pensar em ações, é preciso ter dívidas totalmente sob controle e aplicar dinheiro de forma segura, como reserva para situações imprevistas.

Também é importante observar que o longo prazo não garante lucro. Ações são um investimento arriscado, seja em um, cinco ou dez anos. Mas são também uma ferramenta utilíssima para quem quer elevar suas chances de aumentar o patrimônio.



Para quem puder e decidir aproveitar, hoje há muito mais jeitos de investir do que dez anos atrás. No dia 5 de outubro, a BM&FBovespa anunciou uma novidade s importante: o lançamento de recibos de ações de dez empresas estrangeiras (entre elas as conhecidas Apple, Walmart, McDonald’s e Google). Fundos de investimento em ações poderão aplicar nesses recibos (o que deverá acontecer até novembro), e os poupadores poderão aplicar nos fundos.

Outra maneira de investir em ações que ainda não se popularizaram são os fundos de índices, chamados de ETFs (fundos de negócios em Bolsa, na sigla em inglês). Investir num deles é mais barato que num fundo de ações comum. Eles combinam ações de acordo com alguma referência – as 100 maiores empresas, as 50 mais negociadas, só as de varejo, só as do setor imobiliário.

O ETF do setor imobiliário teve o melhor desempenho no último ano, enquanto o fundo atrelado ao índice com as 50 empresas mais negociadas na Bolsa foi o que se saiu pior. Existem sete ETFs. Um oitavo, composto de ações de bancos, será lançado até o ano que vem. O investidor pode aplicar nesses fundos por meio de corretoras.

Tanto os recibos de ações estrangeiras como os fundos de índices são maneiras de variar, o que é sempre recomendado para quem investe. No caso das ações estrangeiras, trata-se de um novo tipo de diversificação, geográfico.

“Para quem podia investir só em ações de empresas brasileiras, vai ser uma forma de se proteger contra baixas da economia nacional, comprando de outros países também”, afirma Júlio Ziegelmann, diretor de renda variável da BM&FBovespa. Da mesma forma, os fundos de índices podem ajudar o investidor a diversificar, ao reunir ações de várias empresas, sem que seja preciso montar uma carteira comprando papel por papel.

Além dos ETFs, existem fundos criados por bancos e corretoras que espelham indicadores da Bolsa. Nesse grupo, os fundos autodenominados “éticos” têm um apelo especial entre muitos poupadores. A maioria se baseia no Índice de Sustentabilidade Empresarial, lançado em 2005 pela BM&FBovespa. Podem participar da seleção para entrar no índice as empresas que se situam entre as 200 mais negociadas na Bolsa.

Elas respondem a um questionário com sete quesitos, e as que se saem melhor são submetidas a um conselho. Em 2010, foram escolhidas 43 ações de 34 empresas. No Brasil, os fundos éticos (também conhecidos como fundos verdes ou sustentáveis) não têm desempenho melhor que o do Ibovespa, como querem seus incentivadores.

“O que se investe hoje é pouco perto do potencial. Os fundos éticos têm embutido o risco da inovação”, afirma Sônia Favareto, diretora de sustentabilidade da BM&FBovespa. Além do ISE, existem 13 índices que podem dar orientação valiosa ao poupador, como o Itag, que mostra o desempenho das empresas com alta governança corporativa, que dão o melhor tratamento ao acionista minoritário, e o Itel, do setor de telecomunicações.

Investir em setores inteiros, em vez de escolher papéis, é uma opção a ser considerada. Pode-se aplicar em fundos de ações de empresas de varejo, que crescem impulsionadas pelo ganho de poder aquisitivo do brasileiro.

Ou em fundos de ações do setor imobiliário, que aproveitam o crescimento dessas companhias, graças ao aquecimento desse mercado nos últimos anos (eles não devem ser confundidos com fundos imobiliários – leia mais sobre investimento em imóveis). Esse tipo de investimento também não é para qualquer um. “Faz sentido para quem conhece muito bem o setor”, afirma Ivan Guetta, sócio e gestor de renda variável da administradora de recursos GAP.

Nos últimos anos o poupador ganhou novos fundos e opções para aplicar na bolsa

O investidor ainda pode escolher fundos sem recorte específico. Em muitos casos, o gestor do fundo é responsável por fazer uma combinação de papéis que proporcione resultados parecidos com os de algum índice – são fundos chamados de “passivos”. Seguir como referência o próprio Ibovespa é a opção para quem quer reduzir tanto quanto possível os riscos de aplicar em ações. Outros fundos atribuem ao gestor a missão de superar certos índices – isso torna o fundo “ativo”. As taxas administrativas dos fundos que contam com o trabalho “ativo” do gestor tendem a ser mais altas.

A média do mercado inteiro, para fundos disponíveis para os pequenos investidores, está em 2,23% ao ano, de acordo com o levantamento de agosto da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os ETFs, por sua vez, não têm taxas superiores a 0,70% ao ano. Já quem opera de casa, direto na Bolsa, paga taxas de corretagem. Quanto mais compra e vende, mais gasta.

Ao escolher um fundo ou ações, e depois fazer novas aplicações de acordo com a estratégia que imaginou, o investidor facilmente abandona a lógica. “Existe a pressão da manada. Na hora que a pessoa vê todo mundo comprando começa a querer fazer o mesmo e acaba chegando tarde demais”, afirma Vera Rita de Melo, psicanalista especializada em economia e finanças (leia sobre o papel das emoções no investimento).

O efeito manada conspira para que o poupador aplique mais nos momentos em que a Bolsa sobe (comprando mais ações quando elas estão mais caras) e aplique menos, ou até retire dinheiro, nos períodos em que a Bolsa cai (vendendo ações ou comprando menos quando elas estão mais baratas).

Uma forma de evitar esse problema é sacar dinheiro do investimento que se valorizou e aplicar no que se desvalorizou, uma tática chamada “balanceamento de carteira”. Imagine um investidor que tenha decidido dividir o dinheiro em 20% em ações e 80% na renda fixa. Se, ao final de certo período, tiver ocorrido uma alta na Bolsa, a fatia do dinheiro em ações pode ter subido para, digamos, 25% do total. É hora de “raspar o excesso”, retirar dinheiro das ações e aplicar na renda fixa, para que a divisão volte aos 20%-80% originais.

Caso a Bolsa tenha caído no período, e a fatia em ações tenha encolhido para, digamos, 15%, é hora de passar dinheiro da renda fixa para as ações, e restituir a divisão original de 20%-80%. Dessa forma, o investidor sempre vende na alta, ou seja, tem lucro.

O efeito manada atrapalha suas decisões. Controle as emoções e pense no longo prazo

O problema é que ninguém quer sair quando está ganhando, tampouco investir em algo que vai mal. “É uma missão árdua, mas é preciso aprender a controlar as próprias emoções”, afirma Silvio Hilgert, diretor acadêmico da XP Educação, especialista em mercado de capitais.

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