segunda-feira, 18 de outubro de 2010



18 de outubro de 2010 | N° 16492
ARTIGOS


Ignorando o Prêmio Nobel, por Paulo Brossard*

A sociedade humana, e não apenas a chilena, está a viver intensa emoção. Começou com desastre que resultou no encarceramento de 33 mineiros a 700 metros abaixo da superfície do solo. Durante 18 dias, não houve sinal de vida das vítimas e não era razoável afastar a possibilidade da morte delas.

No entanto, esse período, breve em situações normais e quase infinito na situação real, passou, e sinal de vida chegou das entranhas da terra. Era preciso estabelecer comunicação com os soterrados e as dificuldades eram imensas, mas, em menos de dois meses, os enormes problemas puderam ser resolvidos, um a um.

Em menor tempo do que o previsto, começou a ser feito o que parecia quase irrealizável, a libertação de todas as vítimas. O presidente da República e sua mulher estiveram presentes, do começo ao fim da operação. O Chile esteve unido e o mundo comovido. Poucas vezes ter-se-á visto espetáculo igual.

No mundo civilizado, permanece sob os eflúvios do bom sucesso o resgate dos 33 mineiros, contemporaneamente outro fato provocou sentimentos conflitantes e este verificou-se na China. Esse país, por sua expressão territorial, população, peso em comércio internacional e podendo gerar a segurança ou a insegurança no mundo financeiro, por um espirro, pode causar crise mundial. Pois é um país em que o trabalho escravo é uma das bases de sua riqueza e o trabalho escravo só se mantém graças ao poder ilimitado do Estado. Não é de estranhar existam lá presos políticos em número considerável.

Ocorre que um deles, Liu Xiaobo, preso desde 2008 por haver redigido manifesto em que defendia reformas democráticas no império de Mao, vem de receber o Prêmio Mundial da Paz. O laureado dedicou-o aos “mártires da Praça da Paz Celestial”, os estudantes que foram brutalmente destroçados pelo governo chinês em 1989.

A notícia chegou ao conhecimento do premiado por guardas da prisão e por sua mulher, a poetisa Liu Xia, que se encontra em prisão domiciliar desde a premiação. O fato repercutiu no mundo e muitas são as manifestações em favor do preso. Entre os que pediram a libertação de Liu Xiaobo, estão o primeiro-ministro do Japão e o presidente dos Estados Unidos.

O Brasil nada sabe a respeito, nem menos que na China impera o regime totalitário. Um dos coministros das Relações Exteriores parece ignorar que para o Prêmio Nobel da Paz 2010 foi contemplado um prisioneiro político. Aliás, essa maneira de proceder lembra a nota escarninha do presidente da República quando, em Cuba, se referiu à morte, por greve de fome, do preso político Orlando Zapata, ao cabo de 80 dias. O presidente chegava a Cuba quando a morte ocorreu e suas declarações tiveram repercussão.

Aqui a dureza de coração, a insensibilidade ante a dor moral e material, de cubanos e chineses, para quem nosso governo não reconhece direitos humanos. Lá no Chile, a riqueza de sentimentos nobres que enaltecem a humanidade.

Já que estou falando em chinês, li esta semana em jornal de circulação nacional que na Casa Civil da Presidência da República, ao tempo da ministra, hoje candidata à Presidência, foi nomeado como “assessor técnico”, o filho do acupunturista dela e do presidente; em abril, ele teria passado a servidor burocrático, “Gu Zhou-Ji, que ajuda o pai no atendimento à candidata, ganha R$ 4 mil por mês para atender servidores da pasta”.

A Casa Civil, embora com o nome de Casa, não é propriedade privada e deveria ser modelo de correção na gestão pública.

*Jurista, ministro aposentado do STF

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