segunda-feira, 11 de outubro de 2010



11 de outubro de 2010 | N° 16485
PAULO SANT’ANA


O solitário

Meu pobre amigo está numa sinuca de bico, não consegue mais estar na companhia de ninguém.
Todas as pessoas com quem se encontra o irritam, para ele são chatas.
Me lembrei até daquela frase célebre do ator norte-americano: “Bebo para tornar as outras pessoas menos chatas”.

Então o meu amigo evita ir ao restaurante com outras pessoas, não marca qualquer encontro, rigorosamente só se reúne com outros quando isso se torna absolutamente indispensável, é uma grave crise de insociabilidade.
Isso é também uma espécie de depressão, como se sabe os depressivos encerram-se num quarto e não querem saber da companhia de ninguém.
É tão aguda a incapacidade do meu amigo de conversar com outras pessoas que ele não tolera sequer falar no telefone.

Quando eu ligo para meu amigo, ele pede desculpas e diz que não vai poder falar, assim ele faz com todos que tentam aproximação com ele.
Para que se conheça da frequência desses casos de que meu amigo é atualmente vítima, basta que se afirme que é esse exatamente o caso de todas as pessoas que se atiram à solidão absoluta.

Atirar-se à solidão em uma ilha ou até mesmo num sítio é relativamente fácil, mas meu amigo mora em Porto Alegre e trabalha numa empresa com centenas de pessoas comparecendo ao local de trabalho em que meu amigo realiza suas atividades.

Por isso se pode calcular do imenso sofrimento do meu amigo, que é obrigado em vezes sem conta a se defrontar diariamente com muita gente.

Meu pobre amigo vaga pela cidade evitando as outras pessoas, quase explode de agonia quando é obrigado a falar com os outros.
Mas o pior de tudo é que meu amigo, por tudo que já foi dito, se atira irremediavelmente à solidão em grandes partes dos dias e nos fins de semanas inteiros.
E então acontece um fato incrível: quando se recolhe sozinho a qualquer ambiente, mormente o seu quarto na sua casa, sem ninguém a seu lado para chateá-lo, livre totalmente dos outros, o meu amigo obviamente sente-se compelido a encontrar-se consigo próprio: fugiu do mundo, mas não pôde fugir de si mesmo.

Então dá-se para o meu amigo a suprema tragédia: foi aí que ele viu que não se tolera nem a si próprio, o encontro consigo mesmo é tão cruciante quanto o encontro com os outros.
Existe uma frase famosa de Sartre: o inferno são os outros.
Esse caso do meu amigo é exemplar para todos os casos, na verdade, o inferno somos nós mesmos.
E finalmente uma outra verdade: se nós não tolerarmos os outros, acabamos por não tolerar a nós mesmos.

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