terça-feira, 26 de outubro de 2010



26 de outubro de 2010 | N° 16500
PAULO SANT’ANA


O gigante Glênio Reis

Cada vez mais me convenço de que a ficção suplanta a realidade, depois do que vi acontecer sábado.

Eu não vou aumentar nem diminuir nada do que ocorreu. Tim-tim por tim-tim, vou contar exatamente o que aconteceu.

Eu estava em meu carro, sábado passado, às 21h30min, quando ouvi no rádio a abertura do programa Sem Fronteiras, apresentado pelo Glênio Reis, um veterano radialista, o mais antigo dos radialistas gaúchos, uma legenda do rádio de todos os tempos e da televisão de antigamente.


Pois bem, preparem-se para serem eletroplessados por esta narrativa.

O Glênio Reis começou assim o programa que ele apresenta há vários anos todos os sábados, eu ouvi com estes ouvidos precários e tecnologizados: “Queridos ouvintes. Estou cumprindo um doloroso prazer ao apresentar este programa: é que faleceu hoje, às 4h, nesta madrugada, a minha querida companheira, minha esposa Anésia Pereira dos Reis, com 82 anos, com quem eu sou casado há 53 anos.

E antes de morrer, desenganada, ela me fez um pedido: o de que eu não faltasse a este programa no dia da sua morte e lhe dedicasse no ar a música As Rosas não Falam, na voz do seu autor, Cartola. E eu vim aqui para apresentar este programa até a meia-noite e fazer esta homenagem à queridinha Anésia, minha comparsa nestes últimos 53 anos”.

Não preciso dizer que eu, como certamente muitos ouvintes, àquela altura, estávamos com os olhos marejados.

Quando voltou depois da música, o Glênio prosseguiu: “Minha querida mulher será cremada no Crematório São José, amanhã, às 9h. Sei que vou ter forças, embora disso duvide, para apresentar este programa inteiro e assistir à sua cremação nove horas depois. Os ouvintes devem imaginar o que estou sentindo, durante mais de 50 anos fui casado com Anésia, ela foi o único e inesquecível amor da minha vida”.

E o Glênio Reis seguiu apresentando o programa, com todos os seus quadros.

Confesso-lhes que eu, o João de Almeida Neto e sua mulher, Jane Vidal, estávamos pasmados, na residência destes últimos, para onde me dirigia quando ouvi a infausta notícia.

Dois octogenários que se amaram por 53 anos, ambos amantes da música. Ele, radialista pertinaz e heroico. Ela, dona da casa dele.

Foi um momento crucial da noite desse último sábado.

Entre outras coisas, este episódio lembra um ditado corrente entre os artistas de teatro e shows em todo o mundo: “O espetáculo tem que continuar”.

O Glênio Reis continuou valentemente com o seu espetáculo, o último que lhe restou numa vida de tantas façanhas artísticas, o Sem Fronteiras, que ouço sempre, todos os sábados.

Mas o que me deixou ainda mais estupefato e emocionado foi um fecho que o Glênio deu no seu programa: “Daqui a pouco, às nove horas da manhã deste domingo, minha mulher estará sendo cremada.

E para mim será particularmente chocante e emocionante a cerimônia de cremação, porque exatamente neste domingo das exéquias finais de minha mulher queridinha eu teria de comemorar o meu aniversário. Exatamente neste domingo triste e funéreo de 24 de outubro, eu completo 83 anos de idade”.

É de cortar o coração!

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