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terça-feira, 12 de outubro de 2010
12 de outubro de 2010 | N° 16486
PAULO SANT’ANA
Cuba contraditória
Decidi que vou fazer uma viagem a Cuba. Porque durante os últimos anos li tudo o que se escrevia sobre Cuba em jornais, revistas e livros e acabei ficando mentalmente confuso sobre o mérito do que li.
Por exemplo, quase todos os que voltam de Cuba depõem que lá “ninguém passa fome, mas há severo racionamento de gêneros alimentícios”. Pode existir definição mais ininteligível do que esta?
Eu entendi mais ou menos assim: come-se, mas não há abundância.
No campo mundano, são também grandes as controvérsias. Há uns que voltam de Cuba dizendo que nas ruas passam as negras mais bonitas do mundo. Já há outros que disseram estar 15 dias em Havana e não viram sequer uma só negra bonita passeando nas ruas.
Ambos devem ser exagerados.
Pelo muito que li sobre Cuba, chequei ontem com o Ricardo Chaves, que já esteve lá, as minhas impressões.
A mim parece fortemente que em Cuba existe uma pobreza geral, mas não existe miséria.
Lá não existem pedintes nas ruas, não há crianças solicitando esmolas.
Todos são pobres, mas o Kadão me disse que chega a ser inexplicável a felicidade dos cubanos, exposta nas ruas e nas casas em suas palavras, nas suas insistentes músicas cantadas e executadas.
Expliquei ao Kadão: num lugar em que todo mundo é pobre, é mais fácil ser feliz. Por não haver comparação.
Aqui no Brasil, por exemplo, ou em qualquer país capitalista, sem nos darmos conta, nós temos inveja dos ricos ou de quem possua mais do que nós.
Se o seu vizinho for pobre, se o seu colega for pobre, se todos forem pobres, instala-se aí a felicidade, nascida da mais completa ausência de ambição.
Num lugar em que haja ricos e pobres, há mais chance de ser infeliz. E nesse lugar serão infelizes tanto os pobres quanto os ricos. Estes últimos serão ameaçados pelos primeiros (assaltos etc.). E serão também invejados letalmente pelos primeiros.
Eu gostaria de conhecer Cuba e se for possível irei até lá. Sempre me cativou a ideia de ver de perto um povo para o qual a pobreza é uma regra e a miséria é uma proibição.
Da minha parte, eu encontro uma razão recôndita para os cubanos serem felizes em seus cânticos e danças nas ruas e casas: eles têm a certeza de que, se adoecerem, terão tratamento de saúde o mais completo, desde uma dor de dente até uma cirurgia de alta complexidade.
Aqui no Brasil é muito difícil ser feliz para quem sabe que, se adoecer, ficará na fila do SUS por três anos à espera de consulta e cirurgia, se não morrer antes.
E, como acabei destacando no final coisas boas de Cuba, pinço a pior coisa de lá, a falta de liberdade.
É de se desconfiar seriamente de um país que não deixa as pessoas de seu povo transporem suas fronteiras para tentarem ser felizes em outra nação.
Desconfie-se.
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